Caros e Caras,
Paz e saúde!
Os jornais brasileiros anunciaram a onda de frio na Europa, informando que as baixas temperaturas tomaram conta do velho continente, atingindo, em alguns países a -17 ºC. Para completar a informação, comunico que é apenas o começo. No inverno de 1999/2000, tivemos o prazer de conhecer na pele (literalmente falando) a nobre temperatura de -21 ºC. Até o Natal a temperatura estava acima da média do período, por causa dos ventos que vem da Africa. Como resultado, algumas anomalias puderam ser observadas nos eventos que marcam essa estação do ano: flores que só apareceriam na primavera começaram a pontilhar as ruas e campos e uma espécie migratória de borboletas que deveria retornar no início da próxima estação, fez o caminho de volta e deu um colorido inesperado nesta época do ano.
Ninguém noticiou, mas com a onda de frio repentina, creio que as borboletas não tiveram tempo de perceber o ligeiro equívoco e, as que se arrependeram e tentaram retornar, conseguiram chegar, no máximo, ao sul da Itália, onde devem ter sido recepcionadas pela neve e não puderam aproveitar do clima mais aconchegante do norte da Africa.
Você que está lendo agora essa carta, deve estar pensando: “O que esse cara tá falando? Frio? Temperatura negativa…? Que diabo de isso é isso? Nesse clima de euforia de pré-carnaval; a expectativa com o novo ano; a paralisia que ocorre nesse período, que faz com que o ano termine antes do Natal, mas só recomece depois do Carnaval e alguém vem falar de frio? O termômetro se enche de vermelho pra me dizer que chegamos a 40 ºC, na sombra!”
Acorda, ô meu! (diriam os paulistas) Sai dessa, meu rei! (os baianos) Qualé, bró! (cariocas).
A intenção é essa mesma. Mostrar uma realidade diversa. Experimente olhar para o termômetro e imagine-se vestindo uma camiseta de mangas compridas, depois uma malha de lã, meias grossas, calças, casaco e luvas. Eu fiz essa experiência no verão e tive calafrios. Espero que você também, ou um de nós não é normal.
Já escrevi sobre as esculturas que a neve forma, cobrindo as bicicletas em frente a estação. Mas o que mais me diverte é a capacidade dela em equilibrar-se sobre as finas placas de trânsito.
Quando viu a neve pela primeira vez, a Luiza, a caçula, saiu e tocou-a, comeu, cheirou, examinou de todos os modos possíveis, jogou para o ar, fez guerra de bolas de neve com a irmã e a mãe e, ao final, explicou-me: “Pai, neve é espuma de gelo. Se você pisar, fica dura e machuca. Se tiver sede pode comer que é água, mas só um pouquinho, porque é meio suja. Pode brincar à vontade que ela não derrete, por causa do frio.”
Difícil mesmo, é acostumar-se com a ditadura da moda: todo mundo usa preto no inverno. Não uma peça ou um casaco, mas tudo preto. Da mesma forma que no verão todos os homens usam calça pescador com cordinha na barra. Não ouse sair diferente, as reações podem ser perigosas. Noutro dia usei um sapato de camurça bege: as pessoas mostravam-se horrorizadas e indignadas. Cheguei a temer o linchamento. Vermelho? Nem pensar! Achar meias marrons neste período requer investimento alto: teria que pegar um avião. O outro lado da moeda é que finalmente achei as meias pretas, que somem das prateleiras no resto do ano. Já comprei dez pares.
Mas aprende-se a sair de casa, independente dos humores do tempo. As ruas são sempre cheias de movimento. As pessoas saem, inclusive a pé, mesmo que seja só para um café ou chocolate quente, um cinema. O italiano é habituado a planejar tudo: Quinta, aquele bar novo; sexta, jantar no restaurante predileto; sábado, pizza e discoteca. E saem, desconsiderando frio, chuva ou mesmo neve.
Com a aproximação do Carnaval (nem sei quando é!), me encho de esperanças de que o azul e branco da minha Portela volte, enfim, a brilhar. Penso nos muitos Carnavais passados em Salvador e comparo com as manifestações da festa na minha cidade: o baile infantil no salão paroquial e as chiacchere (pronuncia-se kiákere), um tipo de biscoito frito, coberto com açúcar de confeiteiro. Opções existem, mas não tenho vontade de ir a Veneza nesta época do ano, pois não entendo o Carnaval contemplativo. É tudo muito caro nesse período (nas outras, também) e falta estacionamento por lá.
Vou apreciando e aprendendo a viver o inverno sem deixar-me envolver demais em velhas lembranças. Em seis meses a situação será diferente. E aí eu vou às forras.
*
Alguns esclarecimentos: 1) um amigo perguntou o que aconteceu com o meu português e aproveito para esclarecer que, às vezes, escrevo no escritório, onde o Word é em italiano assim como a correção automática. Outras vezes, escrevo em casa, onde o Word é em português de Portugal. Pode acontecer de estar escrito económico em vez de econômico. Outro motivo é o fato de muitas palavras se assemelharem nas duas línguas e eu falo italiano o dia inteiro, posso cometer deslizes. Mas também é verdade que o meu português está precisando de uma boa lustrada. Estou me esforçando. 2) Outra amiga acusou-me de estar muito baiano: Bem, eu não queria me gabar não, mas já que você tocou no assunto… 3) uma outra me escreveu para lamentar que não entende muito o que eu tenho escrito, uma vez que a realidade dela é tão diferente. Neste caso, conto com a sensibilidade e capacidade alheias em comparar realidades assim tão diferentes. Afinal, o objetivo é esse mesmo.
Amanheceu na Itália. Vou fazer um café e acordar minhas três meninas (mãe e filhas). São cinco e meia, 22 ºC, eu aqui de bermudas e camiseta, olhando a fina neve que cai lá fora, começo a pensar nas chiacchere. E lembro do caro amigo Dimas que partiu sem a prometida viagem à Itália. Uma partida anunciada, mas não menos sentida. Talvez as borboletas tenham voltado para dar as boas vindas a ele…
Ciao.
5 comments:
Allan, xá prá lá certos comentários...
Vc. continua escrevendo ma-ra-vi-lho-sa-men-te BEM, é fácil e agradável ler seus posts e não vejo nenhuma confusão entre o italiano q vc. fala e o português q vc. escreve.
É sempre muito bom ler seus posts e saber mais da Itália q tanto amo.
Obrigada,
Lulú
Estou aqui na Espanha. Realmente este ano dizem que fez mais calor pela europa, inclusive aqui. Só que esse é o primeiro outono/inverno que passo na europa e pra mim já é frio demais... Achei muito estranho o que voce disse sobre a roupa obrigatóriamente preta. Aqui todo mundo usa um montao de cores, o preto claro, é mais usado mas tem muita gente usando rosa, vermelho, bege... De tudo! Nao sei se talvez seja porque estou na capital da Espanha, uma cidade grande é sempre cheia de todo tipo de gente...
Ciao Alan. Vim retribuir a visitinha que me fez no Mundoafora... Quanto a sua pergunta, da preguica de escrever, o problema eh logisitico. Nao tenho computador em casa, moro num convento em Treviso... Mas escrevo o dia inteiro, onde estiver e em qualquer pedaco de papel. Muitas vezes quando acesso internet nao tenho muito tempo e prefiro fazer umas pesquisas e responder meus emails ao inves de postar no blog. So isso. Quando comeco a postar muito frequentemente pode ter certeza que tem algum amigo me hospedando e gentilmente me cedendo uso ilimitado da internet... VICKY
Suas crônicas (cartas) são ótimas e ficou doido pro carteiro passar (você postar). Não percebo dificuldades com a língua portuguesa, pelo contrário, sua escrita flui suavemente, transmitindo emoções que beiram à poesia. As borboletas e a partida do amigo me tocaram... Quanto às peculiaridades do lugar que você mora, acho-as enriquecedoras, extamente pelas diferenças culturais, o que me enriquece. Aguardo mais e mais cartas.
O melhor do que você escreve é como você escreve, Allan.
Também tenho meus deslizes do Português. Ainda mais devido as semelhanças entre os dois idiomas (Espanhol e Português) e sem um bom corretor. As vezes uso o do yahoo, mas mesmo assim ainda passam alguns.
Ter viajado com as borboletas deve ter sido reconfortante para o seu amigo...
Um beijo
Aqui em Madri os casacos são de todas as cores, mas o prto ainda predomina. é mais barto ter um preto se você nao pode variar demais.
O meu preferido é cor de mel... me deixa um pouquinho mais luminosa nos dias de muito frio.
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