Thursday, September 16, 2004

Memória Gastronômica

Caros e Caras,
Paz e saúde!

Quando havia cinco anos tive desidratação. Penso nisso e sinto na boca o gosto do soro que precisei tomar por três meses, na casa em Petrópolis e nas férias em Itacuruçá, ambas no Estado do Rio de Janeiro. É como se tivesse acabado de tomar o tal soro.

Em Copacabana, no Rio, a lanchonete Gordon fazia um sanduíche com molho ao curry chamado submarino. Anos depois, conheci o “Angu do Gomes” servido por ambulantes à noite. O meu preferido é o da Praça do Lido, no Leme (espero que ainda exista). Ou o cachorro quente com mate gelado na praia do Posto Cinco, em Copacabana.

Em São Paulo: Na cidade de Embu, o camarão de capote da Laura ou o strudel de maçã do Cláudio, aos domingos. Em Assis, as esfihas do Cedro do Líbano, o filé do Tatu e o churrasco do Júlio. Antes de chegar, uma parada no Rodoserv da Castelo, para deliciar-se com o misto quente deles. Em Sampa, a sopa de cebola do Ceasa (ainda tem?); o bauru do Ponto Chic, na Praça da República; o churrasquinho do bar das putas, na Consolação (25 anos atrás, antes de virar atração turística); a catuaba do Bar do Cosme, o Profeta; o fetuccini ao molho de quatro queijos do Elio’s da Alameda Santos e a pizza do Camelo, na Rua Pamplona.

Bahia: ensopado de camarão do Mar Aberto, em Arembepe; Acarajé da Cira, em Itapoã; o filé au poivre e o macarrão do Giancarlo; carangueijo do Bar Buxixo; pitú no vapor em Itacimirim; carne de sol com manteiga de garrafa, pirão de leite e feijão de corda do Lua Nova em Portão; vaca atolada do Bar do Jorge, em Eunápolis; carne de bode de qualquer botequim de Bonfim; vermelho no sal grosso da barraca Doce Mar, em Canavieiras e o beiju feito na hora em Villas do Atlântico.

A relação, na verdade, é muito maior. Sou capaz de lembrar cada fase da minha vida ou os muitos lugares onde morei, recordando-me somente dos sabores ou aromas, como o delicioso perfume dos doces da casa do Cláudio (do strudel) na época do natal.

O meu peso histórico era 68 quilos. A Partir da cervejaria em Salvador, passei a 82 e consegui reduzir para 74. Hoje, na sabedoria dos meus atuais 83 quilos, posso afirmar que é muito complicado fazer regime nessa terra, com o enorme espaço livre na minha memória gastronômica a ser preenchido e tantas novas oportunidades que se oferecem a cada dia. Não posso relegar a minha formação, mas também não devo ceder aos prazeres da carne, ou do culatello de Zibello, da Locanda dei Falconieri em Catel’Arquatto, mas o sacrifício é grande.

Quem decide fazer regime, deve evitar a Itália, ou mudar de país: é entrada, primeiro prato, salames, prato principal, queijos e sobremesa. Só uma coisa: eles comem tudo separado. Diante de um prato com feijão, arroz, carne e legumes, entram em pânico e se sentem inseguros. Alguns choram.

Um amigo convidou-me para almoçar à casa dele. Tinham cinco primeiros pratos. Quando chegou o prato principal eu mostrava o relógio, para fazê-lo entender que deveríamos voltar ao trabalho. Em vão.

A única coisa que eles não sabem fazer é café da manhã: café preto e brioches! Não adianta insistir.

Quando chegamos aqui, decidimos fazer um curso prático de enologia. É assim: você sai comprando uma garrafa de cada vinho, prova e vai anotando os melhores. Na casa dos amigos vai aprendendo o vinho correto para cada ocasião, que eles são bons nisso. Em casa, repete as situações com os vinhos escolhidos por você. Se embriaga e na semana seguinte começa tudo de novo. É simples!

Perto de casa tem um bar onde aprendi a tomar o café deles. O balconista tem uma mistura especial, um ponto estudado da torrefação e moído duas vezes. Você chega e pede: corto, normale ou lungo. Normalmente peço lungo, pois mesmo o normale é muito forte para os meus padrões cariocas. Mas quando vou fumar meu charuto, peço corto: são 10 ou 15 ml de café. Pouco mais que uma sujeira na xícara, mas é outra bebida!

Tem também um sorveteiro napolitano que já ocupa o lugar dele nos meus registros, mas esse merece um capítulo à parte.


Ciao.


PS – Como se não bastasse a implicância com o meu tosco português, agora tem quem me corrija também em italiano
Comunque, Grazie!

14 comments:

Anonymous said...

Allan,

Vai soar estranho, mas ler este teu texto me deixou, além de faminto, feliz. Rolará um post a seu respeito, certamente, lá na comunidade madureira, assim que eu conseguir resolver a minha vida ali um pouquinho.
Abraço,
Madureira.

Giseli said...

Meu sonho é conhecer a Itália!!!!! Vc é de lá?

Anonymous said...

A marcação de minha memória é preenchida por músicas. Uma música para cada fase, músicas ligadas a acontecimentos, músicas que eu queria esquecer. Mas também tenho alguns pratos colados em minha lembrança. Nunca esquecerei, por exemplo, um carneiro no buraco, panelada cozida na brasa em um buraco com carneiro legumes e outras iguarias. Que delícia! Não ter memória deve ser horrível. Abraços Allan.
Reginaldo Siqueira mblog.com/singrando

Anonymous said...

Que saudades, destas comidas.
Voce disse certo, eu nao consigo emagrecer aqui na Italia.
Sabe (La tireoide), tudo culpa dela..e da gula..
(risos)
Meire

Leo said...

Rolei de rir com o "eles comem tudo separado. Diante de um prato com feijão, arroz, carne e legumes, entram em pânico e se sentem inseguros. Alguns choram."

hahauhauhauhauha Muito bom!

Uma pergunta: por que diabos o café é tão pequeno na Itália??

Anonymous said...

Pois eu adoro o café "corto" italiano, do jeitinho que você descreveu: 10 ou 15 ml, forte, e sem gosto de queimado. Em Napoli adoçava com uma mistura de açúcar e café que, se não me engano, eles chamam de "zuccherato".
Mas moqueca boa é o do Varal da Dadá, em Salvador (na verdade, a "memória gastronômica" que tenho de lá é do pirão, não tem igual...).
Abraços,
Golb
http://www.madura.blogger.com.br

Anonymous said...

Vc. me parece ser uma pessoa muuuuuito interessante.
Sempre venho ler seu blog, super bem escrito.
Fico me perguntando como foi q vc. morou em tantos lugares diferentes? Como é q vc. foi parar aí no norte da Itália, quanto tempo deve ficar aí e se um dia volta ao Brasil.
Tb. morei na Itália uns dois anos e bem mato as saudades ao ler o q vc. escreve.
Abraços,
Lulú

Anonymous said...

Que leitura gostosa, o seu Blog.
Também tenho minhas histórias (micos, saias-justas e afins) passadas na Itália . Só não tenho o talento natural de narra-las, da maneira como voce faz !
Voltarei por estas bandas ... já fiz o bookmark !
A presto !
Joyce
bella.luna@libero.it

Mineiras, Uai! said...
This comment has been removed by a blog administrator.
Anonymous said...

acho que molhei todo o teclado de tanto babar. Ainda mais em se levando em conta que eu tive que virar vegetariana sem ovo nem gordura por conta de colesterol e pressão. Portanto a mim, hoje, só restam lembranças...
Não se preocupe com o português. Gramática é coisa que se aprende. Já talento não é fácil e você tem. Abraços

maray
www.gardenal.org/checaribe

Anonymous said...

Como vai, Allan?

Acho que já te contei, mas vou passar alguns dias com os amigos na Itália mês que vem. Talvez engorde alguns bons quilos... E entre suas reminiscências gastronômicas paulistanas, o bauru do ponto chic segue firme!

E quem acha que você escreve mal só pode estar com inveja.

Em tempo: prometo a você "sossegar o facho" e não perturbar mais você ou outro incauto sobre Olimpíadas (é que você não faz idéia de como esse assunto tomou conta da minha vida. Sério.)

Grande abraço!

André (Marmota)

Anonymous said...

"Quando havia cinco anos tive desidratação". Sem querer ser chato, quando "havia" 5 anos foi um pouco demais. O resto é legal.

Anonymous said...

Quase desidrato de tanta coisa boa que vc falou.Adoro café.adoro massa.Se fosse viver na Itália ia virar Dona Redonda de Saramandaia.Bacioni

Anonymous said...

Grande Allan,

O Sandwich do Gordon com molho Curry se chamava Diabólico. O Submarino era um sandwich de frango com molho Rosê.

Eu ainda sinto falta do Gordon...

Abraços

Luiz