Wednesday, July 28, 2004

Pomo d'oro

Caros e Caras,
Paz e saúde!

Quando Marco Pólo trouxe a novidade do macarrão, da China para a Itália, certamente não esperava que aquela novidade fizesse tanto sucesso. Os italianos estavam habituados a comer porcos, peixes, javalís e outras caças; frutas, pão e vegetais. Até a cenoura precisou de uma boa ajuda para convencer e ser consumida, quando todos acreditavam-na venenosa.

Tempos depois, os europeus trouxeram outras iguarias das longínquas Américas, entre elas, batatas e tomates. Pela facilidade de germinação e resistência, as batatas foram fácil e rapidamente incorporadas aos hábitos alimentares de toda a Europa, substituindo um outro tubérculo muito comum até hoje, a beterraba. Que por sua vez, pode ser consumida ainda branca e é de onde se extrai o açucar e o álcool europeu. Mas o tomate… Ah, o tomate! Esse deu trabalho! O fruto não resistia às longas viagens e reagia mal ao clima e à água salgada do mar durante as viagens. Deveria ser jogado aos peixes muito antes de aportar, por medo dos fungos e do cheiro ácido da putrefação. As primeiras sementes só chegariam secas. E as experiências iniciais, com as sementes impregnadas de sal, não tiveram êxito.

A planta era tão difícil de se reproduzir, seus frutos tão pequenos e raros, que logo recebeu o nome de “pomo de ouro ”, ou “pomo d’oro ”, em italiano.

Depois de meter a mão na massa, os napolitanos inventaram a pizza, apesar de alguns historiadores insistirem que os gregos já a haviam inventado, além da milenar esfiha. Comida de pobre, a pizza se resumia a um disco de massa fermentada naturalmente, com farinha, água e sal; um pouco do queijo produzido nas próprias casas, umas folhas de manjericão e tomate. Mas tudo de forma muito econômica. A pizza italiana mantém a característica espartana ainda nos dias de hoje. Para os italianos, o importante é a massa e um suave sabor dos outros ingredientes. Experimente fazer uma pizza tamanho grande com cinquenta gramas de presunto e você irá entender o que significa pobreza.

Assim como nós aprimoramos o morno futebol inglês e soubemos orquestrar os diversos ritmos e músicas que os estrangeiros nos trouxeram, para criar uma música “genuína” brasileira, os italianos souberam desenvolver o nosso velho tomate. Já contei vinte e oito tipos diferentes. Cada um com uma característica e sabor próprio. Cada um indicado para um uso diferente. O San Marzano, por exemplo, é um fruto alongado e com muita polpa, ideal para molhos. O cerejinha (cigliegino) ou de Pacchino (se diz pakíno) é pequeno como uma cereja e muito saboroso; se usa para saladas e com massas. O Coração de Boi (cuore di bue) se parece com uma imensa pitanga, com o umbigo saltado pra fora; é o mais caro. Mas o meu preferido é o Riviera, que quando atinge o vermelho intenso e perde o verde rajado que caracteriza o fruto, já não serve mais para salada. Tem, inclusive, um tomate sardo, que eles juram existir desde sempre na Sardenha.

A laranja europeia é uma fruta de inverno. Necessita da primavera e do verão para se formar e estará pronta para consumo no início do período frio. Os agricultores as recolhem antes da neve e as armazenam em câmaras frigoríficas para poderem comercializar durante toda a estação fria. Nem sequer admitem balas ou doces sabor laranja fora daquele período. Já o tomate, o pomodoro, tem um tipo adaptado para cada estação. Um, não, vários!

É difícil para um italiano acreditar que o tomate não é um fruto “nostrano ”, termo utilizado para designar tudo que é genuinamente italiano – vem de nostro (nosso, em italiano). Da mesma forma que um brasileiro tem dificuldades em acreditar que o coqueiro não é uma planta das Américas. Acreditam que a Sicília é o berço de todos os vegetais consumidos por aqui e juram (juram!) que até mesmo as frutas cítricas têm suas origens na famosa ilha, e não no Oriente, como afirmam os estudiosos.

Mas a pizza é a Regina da culinária italiana. Durante a refeição, um bom vinho. Para terminar, salada de frutas (macedonia) com um moscato e um café, porque café brasileiro feito por italiano é inimitável. A grappa é muito quente para esses dias e vai substituída por um gelado limoncino, licor de limão em moda há alguns anos. O limone europeu é muito diferente do nosso (que eles chamam de lime). Tem a casca grossa de um amarelo claro. É maior, sua forma se assemelha a um kibe e o sabor me lembra suco gástrico.

Futebol, laranja, macarrão, música, tomate e café. Se é para melhorar a vida, porque não abrir mão de velhas tradições e adotar como genuínos hábitos e produtos alheios? Basta adaptar aos costumes locais e aproveitar. Nessas férias, já me vejo à sombra de um coqueiro importado numa praia da Sardenha, tomando caipirinha com limão europeu e açucar de beterraba. Curtindo um sambinha italiano.

Marco Pólo iria adorar!

Ciao.

10 comments:

Claudio Costa said...

Que enciclopédia gastronômica! Agora cedo, mesmo após um café-da-manhã bem reforçado, fiquei com água na boca, sonhando com pizzas napolitanas, manjericão (basilico), tomates, tomates, tomates...
Já escolhi meu almoço de hoje: uma pizza, quentinha, tipo margheritta, e um copo de vinho, provavelmente um legítimo Languédoc, de uvas syrah... Salute!

Anonymous said...

Genial!!!
Realmente delicioso de ler e reler. Detesto vir sempre e elogiar, mas está ficando cada vez mais difícil. Se eu desaparecer por uns tempos, não significa que não continuo lendo teus textos, mas que estarei me esforçando para não puxar o saco de alguém que eu nem conheço e mora do outro lado do oceano.
Abrção,
Lenine

Anonymous said...

Allan,
Frank & Gaia não é um site, blog ou instituição. Frank & Gaia somos nós: eu e a Gaia (que está fazendo sim com a cabeça). Escritores nas horas vagas e curiosos desse mundo fascinante que a internet nos proporciona. Não, nós não temos um blog. Preferimos não ter compromissos com leitores, horários e obrigações outras. Lemos muito e escrevemos pouco. Somos muito críticos, mas sabemos apreciar diamantes a serem lapidados e brilhantes prontos. Raramente deixamos algum comentário (nada nos obriga, somos anônimos) mas não conseguimos deixar de visitar seu blog para ler, reler e imprimir suas crônicas. O seu brilhante brilha de modo especial.
Muito obrigado!

Frank & Gaia
ps - concordamos com o comentário acima: este post é antológico! (e o anterior, e o anterior, e o anterior...)

Anonymous said...

Muito divertido o seu blog!
Refinado, inteligente e ligeiramente irônico. Sem falsas prentesões ou esnobismos, sem referências pescadas no Google. Coisa de jornalista. Parabéns!
Um forte abraço, Giba Gruber

Anonymous said...

Allan,
Visito regularmente diversos blogs, por curiosidade e profissão. Já deixei minha impressão algumas vezes sobre os seus textos, mas tenho que concordar com o amigo acima: os dois últimos são realmente antológicos!
Abração,
J. I. Loyola

Anonymous said...

Oi! Sou Angela, a coroa do Cobra Jacaré Elefante. A cobra, claro. Tanto a minha família quanto a do meu marido é italiana. Cada um de nós tem lembranças das italianadas. Meu pai era BOVE, acho que de Nápoles, minha mãe falava como ela , por não ser bove, era rejeitada e como os napolitanos eram vistos, assim,como você descreve no post abaixo. Tenho a lembrança da maravilhosa lazanha feita pela minha avó. Delícia. Mas as lembranças do marido são mais divertidas.

Anonymous said...

Vim, li e gostei.
Posso recomendar?
Mauricio Pugliese
pugliese@vozdepaturi.com.br
Jornal Voz de Paturi

Anonymous said...

Oi, Allan.
De vez em quando viajo pela internet em busca de novidades. Achar o seu blog foi a melhor novidade dos ultimos tempos.
abs, Lia Marchegiani

Anonymous said...

Allan, Nuintendí uma coisa: eu devo deixar o meu comentário no último texto ou você relê regularmente todas as tais cartas? (acho meio bobo perguntar, mas eu não tenho experiência nesse negócio de web log)
Por segurança, vou deixar os meus comentários aqui mesmo.
Li tudo, tudinho. Achei complicado deixar o meu comentário, mas depois ri da minha caipirice de não saber falar (ou ler) inglês. "Anonymousli" (ou coisa parecida) :D
Gostei muito de tudo, mas, especialmente dos últimos e daquele que fala sobre a equipe italiana de canoa. Ria tão alto que o pessoal veio querer saber o que era. Menos mal que sou a chefe e dona da empresa, posso me dar a esses deveneios.
Imagino que a sua mulher deve ser uma pessoa de muita sorte: o marido dela é uma pessoa refinadíssima!
...E o melhor é que ele encara a vida com muito bom-humor! Dê um beijão nela e nas suas filhas (como elas se chamam e qual a idade delas?). Algumas famílias recebem a benção de serem felizes, independente de haver ou não dinheiro (eu acho que você não tem, mas que isso não faça a menor importância).
Vou espalhar o endereço do seu web log pros amigos, além de tê-lo adicionado à lista dos meus sites preferidos. Escreva mais! estarei (estaremos) esperando.
Sônia G. Pollini

Anonymous said...

Nossa que Descoberta!!!

Estava fazendo uma pesquisa sobre
a Italia, com dois objetivos um conhecer melhor este incrivel país, e para ajudar uma amiga minha que vai fazer intercambio e ainda esta escolhendo para onde vai, o seu blog vai ajudar muito na escolha.

Adorei!!!!

Beijos !!!!

Vou jantar uma bella pizza, pois fiquei com desejo após ler seus comentarios.