Friday, July 23, 2004

Milão, 36 ºC

Caros e Caras,
Paz e saúde!

Me levanto às 05:30 h. O sol, meia hora antes. Tomo banho, barba, dentes, roupa e faço o café. Pego o trem das 07:08 h. Desço na Estação Central de Milão às 08:03 h. Uma construção suntuosa e rica. De encher os olhos. Dentro da estação, pego o metrô e a linha amarela me leva direto à Praça Duomo, o coração da cidade. Mais ou menos como as nossas praças da Sé. Um sol forte faz a cidade se espreguiçar em gemidos de ônibus e nos passos lentos dos ambulantes que começam a montar as pequenas barracas.

A Catedral da Duomo está com a fachada embalada pra presente e as linhas retas dos andaimes que a envolvem, não sugerem o estilo gótico da sua construção. Indo em direção aos fundos da catedral, pela esquerda, tem-se a Corso Emanuelle, rua larga de lojas amplas, transformada em calçadão. Ao fim dela, a Praça San Babila com um chafariz em concreto moderno, destoando da igreja de San Babila, início do século 11, no canto esquerdo da praça (que na realidade é um largo). À direita da praça, Corso Europa, onde fica o Consulado Geral do Brasil, meu destino às 08:30 h.

A moça me atende com um sorriso e eu lhe peço para autenticar minha firma num diploma (que será depois enviado ao Brasil para ser reconhecido pelo consulado italiano e reenviado para a Itália) e em uma declaração. Ela me informa que não pode autenticar um documento que já é reconhecido no Brasil e eu, em vão, lhe esclareço que quero somente o reconhecimento de firma. Ainda sorrindo, me pede um minuto e entra, para voltar com um rapaz que conheci no ano passado. Sei que ele não fala português. O funcionário me esclarece, em italiano, que pode reconhecer a firma somente na declaração, pois o diploma já é um documento reconhecido no Brasil. Minha calma diplomática sai de cena e cede lugar à minha ira contra a obtusidade. Mais uma vez, esclareço que desejo somente o reconhecimento da minha firma no documento e não o reconhecimento deste. O funcionário me informa ser impossível atender minha solicitação. Peço à moça para falar com o responsável e ela me informa que o rapaz é o responsável. Peço, então, para falar com alguém que fale português e o funcionário me responde, em português, que posso falar com ele mesmo. Talvez pela brasa nos meus olhos, talvez pelo tom de voz pouco amistoso que usei, talvez pela entonação do palavrão usado, o funcionário me pediu para aguardar a chegada do cônsul, em dez minutos. E sumiu. Dez minutos depois reapareceu e informou-me que a autenticação estaria pronta às 13:30 h.

Tornando à rua, descubro uma temperatura de 30 ºC. Resolvo vasculhar os arredores da Praça Duomo. Conto trinta e duas livrarias e somente quatro farmácias. Deduzo que cultura faz bem à saúde. A fome vence e resolvo liquidá-la. Suco de fruta e sanduíche de salame milanês com salada. Sorvete. Descubro pequenos antiquários e oficinas de moda nas ruas calmas e escondidas, no labirinto do centro velho da cidade. Penso em visitar um museu ou ir a uma exposição (dezenas de opções) mas descubro o estranho horário alternado de abertura deles, que frustra os meus planos.

Volto à Duomo. À esquerda da catedral, a Galeria Vitorio Emanuelle. Linda, imensa e chic. Dentro dela, o famoso saco do touro. Pequeno mosaico de pedra na parte central da galeria que, dizem, traz sorte a quem girar sobre o calcanhar, pisando no saco do touro. Da última vez que estive em Milão, a pedra que compunha o saco do pobre animal era preta e gasta. Na pequena reforma que descubro, substituíram-na por uma pedra rosa, novinha em folha. Sento para tomar outro sorvete e ler a Diário (www.diario.it). A revista me informa, em tom irônico, sobre uma normativa inglesa que estabelece um padrão de medidas para a comercialização de bananas, além de uma outra, estabelecendo a curvatura máxima para pepinos.

Volto a caminhar. Nos fundos da galeria observo a reforma do Teatro Scala. Reforma é o modo sutil que encontraram para a demolição de toda a parte operativa do Teatro. Só a fachada e as paredes externas da plateia foram poupadas. Sigo em frente pela via Manzoni, endereço oficial de Girogio Armani e de tantos outros. Uma família faz parte da paisagem. Traços árabes em trajes comuns, exceto a mãe, vestida de preto da cabeça aos pés. Milão, 34 ºC. Mas a Duomo é ainda mais quente. O movimento de pessoas é enorme. Camelôs vendem papiros egípcios e outras bugigangas; os desenhistas à espera de alguém que queira fazer o próprio retrato; as moças chinesas que vendem enormes lenços às desavisadas que tentam visitar a catedral com os ombros descobertos; policiais aos montes, que caminham indiferentes a tudo e a todos, transmitindo uma sensação de calma e normalidade; dezenas de grupos de turistas de todas as nacionalidades (os japoneses se diferem dos outros orientais pelo número de fotos que fazem). Sobre a calçada lateral da catedral, um homem veste uma roupa de borracha cor de bronze, que cobre também uma pequena base de madeira e mete uma máscara de faraó. Fica imóvel como uma estátua e algumas pessoas depositam moedas na peça de bronze à frente dele. Um grupo de rapazes faz apostas sobre o tempo que ele resistirá sob o sol antes de desmaiar. Ainda na calçada, vinte metros mais a frente, um outro rapaz cobriu o corpo com uma tinta também cor de bronze – Milão ditando mais outra moda? – e está parado, mãos na cintura, óculos escuros, uma cruz de madeira com a mesma tinta no pescoço, a bermuda idem e um sorriso japonês em agradecimento a quem lhe oferece uma moeda. Um grupo de turistas faz fila para uma foto e para depositar moedas na lata cor de bronze.

13:30 h. No consulado o documento já está pronto. Descubro que a tabela de preços dos serviços em Euro está incompleta, pois não informa que os serviços podem ser pagos também em Reais. 25 Euros por um reconhecimento de firma. Ou 20 Reais. A moça esclarece que não pode devolver os meus Euros, já contabilizados. Desisto. Vou embora. Uma última olhada no termômetro e confirmo: Milão, 36 ºC. Pego o metrô e, depois, o trem das 15:08 h. No meio da viagem de quarenta minutos, o fiscal pede o meu bilhete e comunica que aquele é um trem inter città, que não pára nas pequenas estações e, por isso, mais caro. Emite um bilhete complementar de €$ 14,51; mais que os €$ 9,20 que paguei pelo bilhete de ida e volta. Primeira parada: Piacenza. 15:50 h.

Ciao.

5 comments:

.../.. said...

Nao te invejo! Milano hoje eraa filial do inferno... o Consulado é um otimo exercicio de paciencia e controle de nervos...
Uffa, que afa!
Daiza

Rafael Galvão said...

Semana passada vi um daqueles "homens-estátua" no centro de Aracaju, com o corpo pintado de prata - sim, a idéia do bronze é italiana -- parado e, quando o corpo doía, fazendo movimentos em câmera lentíssima. Eles são muito comuns no Rio, mas ainda não os tinha visto em Aracaju.

Preso à cintura, entre a sunga e a pele, um celular. Fiquei imaginando que diabos ele faria se o telefone tocasse. Ainda esperei uns minutos, torcendo para que o danado tocasse. Não tocou. Tem coisas de que a falta de tempo, sempre na hora errada, nos impede de viver.

Anonymous said...

Olá Allan!
A forma que tu escreves, é muito legal. Dá a impressão que estamos viajando dentro da Itália. Eu gostaria muito de um dia conhecê-la, pra falar a verdade a Europa, seria melhor. Aqui no Brasil, particularmente no Rio de Janeiro, esse negócio de estátua já chegou. Em cada esquina da Rio Branco, existem pessoas completamente prateadas, pedindo moedas. E a burocracia, até na Itália é bem vinda. É isso aí.Gostei do blog, voltarei outras vezes.
Um abraço.

Anonymous said...

Olá Allan!
A forma que tu escreves, é muito legal. Dá a impressão que estamos viajando dentro da Itália. Eu gostaria muito de um dia conhecê-la, pra falar a verdade a Europa, seria melhor. Aqui no Brasil, particularmente no Rio de Janeiro, esse negócio de estátua já chegou. Em cada esquina da Rio Branco, existem pessoas completamente prateadas, pedindo moedas. E a burocracia, até na Itália é bem vinda. É isso aí.Gostei do blog, voltarei outras vezes.
Esqueci de falar. Meu nome é Marcio do Pão com Azeite. Não consegui me cadastrar. Postei então como anonimo.
Um abraço.

Anonymous said...

Parabéns Allan!
vc me fez revisitar mentalmente minha passagem em Milão, morei aí 3 meses em 1995...deu muita saudade, A propósito, vc escreve muito bem!
Tanti auguri
ricardodelfino@icqmail.com