Este ano comemora-se os 150 anos da União da Itália. 17 de Março será feriado nacional, mas somente em 2011. Giuseppe Mazzini, Camilo Benso (conde de Cavour), Vittorio Emanuele II e Giuseppe Garibaldi são considerados os “pais da pátria”.
Tudo começou muito depois do Império Romano, durante o Congresso de Viena de 22 de Setembro de 1814, quando as quatro potências, Áustria, Grã Bretanha, Prússia e Rússia, após derrotarem Napoleão Bonaparte, decidiram retornar à organização política europeia antes da campanha napoleônica, com dois princípios básicos na execução do Congresso: o princípio de equilíbrio, para impedir que um país pudesse impor-se sobre os demais, e o princípio da legitimidade, com o qual foram restaurados os tronos das dinastias que reinavam antes de Napoleão, reforçando o absolutismo monárquico e, ao mesmo tempo, impedindo a difusão das ideias franceses.
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Acontece que o território italiano era ocupado pelas monarquias dominantes. As medidas antiliberais que negavam o princípio de nacionalidade do povo soberano acabaram por estimular os movimentos e confrarias secretas. A organização que na Itália se rebelou mais ativamente foi a Carboneria (da receita para spaghetti alla carbonara, lembram?), que acabaram derrotados. Giuseppe Mazzini, membro da Carboneria, promoveu uma insurreição que não chegou a convencer o povo. Ele defendia que a união da Itália deveria vir da massa, sem o apoio externo ou de um soberano. Seu sonho era ver uma Itália “livre, independente e republicana”. A partir de então, com a entrada de outros personagens e com um ritmo diferente do imaginado por Mazzini, a luta pela união italiana ganhou forma até que em 20 de Setembro de 1870 Roma foi tomada e o Estado Pontifício perdeu o poder. Vittorio Emanuele II, proclamado rei da Itália em 17 de Março de 1861, transferiu a capital para Roma em Julho de 1871.
“Feita a Itália, é necessário fazer os italianos”. Bom, esta frase de Ferdinando Martini de 1896 não poderia ser mais profética. Enquanto um brasileiro bate no peito ufanista e diz “sou brasileiro”, na península em forma de bota o cidadão é napolitano, milanês, piacentino ou qualquer outro gentílico, com o cuidado de esclarecer se da cidade ou de alguma localidade da província: “eu sou piacentino de Bettola”. Ou seja, o italiano se identifica antes de mais nada com a cidade; depois, com a região e só por último com o país. Não existe o sentimento de união nacional. Curioso como muitos se sentem mais europeus que italianos.
Exemplos? Aldo Montano, esgrimista italiano, levantou a bandeira da cidade de Livorno ao ganhar uma medalha de ouro nos Jogos Olímpicos de Atenas 2004. Ao mostrar a medalha no pescoço, havia escrito o prefixo telefônico da cidade nas mãos exibidas aos jornalistas: 0586; o partido de extrema direita Lega Nord renega o hino italiano e propõe substitui-lo, por entender que o texto do atual hino não representa o país e submete todo o poder a Roma, por causa de um trecho que diz “schiava di Roma” (escrava de Roma. Na realidade, mais pela submissão que o texto representa que pelo texto em si); “A Itália acaba em Módena” é uma expressão corrente aqui no centro-norte italiano; os dialetos locais são defendidos e preservados com unhas e dentes, apesar dos jovens não demonstrarem a intenção de perpetuá-los. Outros 150 anos não bastariam para citar todos os exemplos.
Me impressiona sentir toda essa animosidade. Não que fosse novidade, pois no Brasil não é muito diferente e o preconceito contra nordestinos no sudeste, por exemplo, é algo tão triste quanto palpável e cotidiano; mas o meu desconhecimento do mundo sempre me fez acreditar que, apesar das divergências internas, o país, depois de tanta luta, possuísse aquele sentimento peculiar que faz de um povo uma nação. Só conhecendo bem esta terra para entender que após a queda do Império Romano as pessoas comuns se fecharam em borgos, cidades fortificadas, pequenos reinados e comunidades que se protegiam. Os conflitos internos eram deixados de lado se o momento era de defender a cidade ou castelo. Os invasores – e foram muitos – deixaram como herança o hábito de olhar desconfiado aos forasteiros. Mesmo depois de tanto tempo a desconfiança persiste.
Talvez tudo tenha começado errado, os “pais da pátria” também tinham lá suas divergências. Mas está passando da hora dos italianos deixarem de lado esse sentimento provinciano para fazer parte de uma única nação, como um dia sonhou Ferdinando Martini.
16 comments:
Mi è piaciuto il tuo articolo. Sintetico ma molto chiaro. E spiega anche molto bene il perchè noi italiani non ci sentiamo così "uniti" tra di noi. Il bello è che questo "preconceito" io lo sento maggiormente proprio con i miei connazionali e non con gli stranieri. Sembrerà assurdo ma per molti di noi è più facile accettare un africano o un cinese piuttosto che un milanese accetti un napoletano. Noi italiani ci sentiamo uniti solo quando siamo all'estero o quando gioca la Nazionale. Siamo il popolo più "anti-no-global" del pianeta in ambito sociale. Il bello è che non ci dispiace di questo.
Um abraço.
Adorei o texto, em setembro passado estive em uma exposição em Roma, no palácio Vitorio Emanuelle e aprendi um pouco sobre essa história, mas os detalhes da visão do povo, só mesmo com a visão de alguém que vive o dia a dia. Grande abraço!
Cento e cinqüenta anos depois, os italianos ainda não são bem um povo, mas a reunião de povos.
Recentemente recebi uns italianos em casa, nenhum deles se apresentou como tal, eles se diziam "romanos", "calabreses"...
Manoel Carlos
Oi Allan!Sou estudante de italiano e seu texto ajudou bastante na minha pesquisa.Parabéns pela escrita!
Marilac
Allan, bom dia!
Que texto bom, viu. Viajei pela história à fora te lendo. Muito interessante e eu nao sabia dessa peculiaridade do italiano identificar primeiro a cidade de onde ele vem. Essa do número da cidade escrita na mao foi ótima!
E brasileiro, é só brasileiro, nao tem raiz, por isso ele nao se identifica. Pena. Vamos precisar de mais mil anos para aprendermos.
Abracos
Confesso, você me fez lembrar os anos colegiais. As aulas de história que nos causava sono porque já tinhamos as histórias dos nonos que cantavam em nossos ouvidos as façanhas das provincias. Mio nono não era a favor da Itália e cuspia no chão quando ouvia falar dos calabreses e dizia não entender porque a Calabria tinha sido "anexada" a Itália. Gente ruim dizia ele com a empáfia de um homem que também desprezava Roma, mas gostava do hino por causa do ritmo. kkkkkkkkkkkkkkkkkkk
Enfim, acho que essa pátria nunca será muito mais que provincias com argumentos individuais. Mio nono falava dialeto e entendê-lo era uma dura missão quando estava nervoso. Mas havia nele o orgulho das conquistas por Gênova, desde o porto até a estação de trem. rs
Provinciano. Agora, me desculpe, eu não vejo esse tal orgulho no brasileiro também não. Os paulistanos se acham melhores que os nordestinos e os cariocas. Os sulinos queriam ser independente e o Brasil é refém de suas "provincias" também. Há um regionalismo bem grande por aqui e acho que só é brasileiro de fato quem deixa o país e observa as diferenças de costume. Esses de fato voltam e batem no peito se dizendo brasileiro. rs
bacio
" Fazer os italianos ? difícil, difícil ....
Contraditório, mas talvez a melhor identidade seja essa diversidade de identidades .
Allan, vou usar um pedaço do teu post e mandar o link "continue lindo" para este teu...
Bjs e bom feriado.
Adorei o post. E concordo com o comentário de A MENINA DO SOTÃO, somos muito regionalistas sim, vivo isso todos os dias no meu trabalho (central de revservas, falando com gente de todo o canto do Brasil e do mundo). E realmente só damos valor ao nosso Brasil MARAVILHOSO quando estamos fora dele. Isso aconteceu comigo. Posso garantir que não troco essa terra e esse povo por nada desse mundo. Quem sabe isso não deva ocorrer com os italianos também!!!! Bjus
Muito bom, interessante... bj
Como de costume parabéns e muito obrigado! Aula de cultura!
Nem sei como cheguei ao seu blog, mas foi fácil parar e ficar lendo. Morei por quase 20 anos em Lisboa, Portugal e fazem hoje 2 meses que estou de volta ao Brasil.
A medida que eu lia me identificava com sentimentos vividos por aí...
Parabéns pela maneira leve que reparte esta vivência em terras distantes!
Já sou sua seguidora, se me permite!
Betânia Pirola
Olá Allan,
Conheci seu blog através do Franco. Estou traduzindo um texto dele sobre a história da Itália e vi o link do seu blog.
Já sou sua seguidora!
Um abraço
Caro Allan,
Passe algum tempo nos diversos cantões da Suissa (prego, visita i paeselli del Ticino), nas provincias francesas, nas regiões espanholas, portuguesas, na Alemanha, Inglaterra, Escócia, enfim, na grande maioria dos paises europeus e constatará a mesma "animosidade" regional.
Logicamente maior ou menor dependendo do país, mas sempre presente.
O motivo vc já mencionou: os vários milênios de feudalismo, reinados, ducados, condados, e tantos outros tipos de comunidades, não se disfazem ou apagam em "apenas" 150 anos.
Ao contrário do que vc escreve, a unificação da Italia não começou mal.
Se não houvesse a união de todos os italianos, apesar das reduzidas dimensões de seu território, a Italia não seria a nação modelo que é hoje.
Foi graças a esta diversidade que a literatura, a música, o comércio, a cultura de um modo geral tornaram-na "Il bel paese".
Faço minhas as palavras de Benigni: «Guardi, non dovevo scoprirlo a Sanremo o leggendo la curva dell’audience: sono sempre stato convinto che gli italiani, tutti gli italiani, anche quelli che votano Lega o dicono di rimpiangere i Borboni, sono legati al nostro Paese, e amano l’Italia come la amo io».
...e come la amiamo tutti noi, caro Allan, e chisà, un giorno ci capirai.
Giustino Bottari
Perfeito.Muito boa a sua sintese,Allan.
Voce falou tudo:ja esta mais que na hora do povo da terra da bota deixar de ser anti-pessoas do mundo.Viver assim para eles no mundo globalizado sera uma tortura ou entao impossivel.
Alias,sempre disse isso: tal preconceito é cultural e ao meu ver dificilmente tera fim.Nao tem nem como comparar com outras naçoes que acordaram antes.Como o Franco citou acima:"gostamos de ser assim".Isso resume a origem da palavra extracomunitario e extereotipos como suiços sao precisos,alemaes bebados e brasileiras sao faceis.
Ao meu ver,somente brasileiros que nao se consideram brasileiros ou fantasiosos/idealizadores ainda aplaudem/apoiam tal mentalidade.Patético.
Seu post com muita classe demonstrou que coisas bem precisas:que a Italia pode ser refém da historia e viver do passado,ou preservar tradiçoes mas olhar o futuro.E me parece que a primeira opçao citada culturalmente ainda é forte.
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