Seria fácil escrever sobre minha mãe ou meus irmãos, gosto deles desde pequeno. Resolvi, então, escrever sobre as pessoas de quem gostamos como se as conhecêssemos desde pequenos, que é um sentimento que ainda não encontrei por aqui. Cláudio, Edi, Márcia, Vítor e outras pessoas especiais conheci ainda muito jovem. O Wallace, Cássio e o Aldo com a Virgínia foram de uma fase intermediária. Eloah, Flávia, Márcio, Valéria com o Roberto, Júlio, David e as turmas do Embu, de Assis, de Ilhabela e do Rio fizeram parte de um período muito divertido. Super Zé, Cátia, Duda, Diney e a “patrulha do acarajé” são o time baiano. O Flávio, o Angelo, o Maurice e a Lucia com o André foram as últimas aquisições. Todos participam das minhas conversas imaginárias, viajam no banco do carona pelas estradas italianas e se entopem de vinho e macarrão comigo, mesmo estando tão longe, com exceção do Flávio, do Angelo e do Maurice. Teria muito para contar sobre cada um deles, inclusive sobre a lista não nominada. Mas escolhi falar sobre o Seu Zé.
Seu Zé é um pescador diferente, do tipo que não conta lorota. Mesmo que passe horas no Paranapanema – ‘Panema, para os íntimos – e leve para casa só uns barbadinhos. Alguém deve ter ensinado a ele que o exemplo através da ação convence mais que palavras: age sempre com um sorriso seguro e em silêncio, mesmo quando é só par tomar cerveja. Cerveja com mortadela ou churrasco. Um amigo chama sanduíche de mortadela (com aquele pão amanhecido e elástico) de “estalazói” e Seu Zé sorri. O peixe é pequeno demais, ele devolve para o rio e sorri. A netinha (que cresceu pra xuxu) chora pela cadeira quebrada, Seu Zé a conserta e sorri. Lembra dos tempos de vendedor e sorri. Vem pescar na Itália uma fieira de trutas e sorri. Um sorriso sincero e calmo, sem escândalo.
Lembro de uma vez que um cliente da oficina de torno do Seu Zé pediu-lhe que desenvolvesse um equipamento para semear cenoura. Explicou que exigências deveriam ser obedecidas para o plantio, o espaçamento, o tamanho das sementes, a profundidade e outras indicações. Seu Zé anotou tudo, prometeu o serviço para sexta-feira e largou o bloco sobre a escrivaninha por dois dias. Tinha muito trabalho esperando e clientes impacientes naquela época de plantio. Na manhã de quinta-feira releu as indicações e foi comprar o material. À noite a encomenda estava pronta e, na sexta, um cliente maravilhado levava para a fazenda a mais nova engenhoca inventada por Seu Zé. O Professor Pardal jamais patenteou uma invenção, mas resolveu um monte de pequenos e grandes problemas. Desnecessário dizer que os tornos do Seu Zé tinham diversos motores e utilidades que ele mesmo inventou e construiu.
Mas não é uma pessoa excêntrica ou bizarra. É um homem simples do interior, muito, mas muito inteligente, com um tipo de raciocínio capaz de entender uma matemática que a mim parece grego; a capacidade de visualizar a solução como um objeto pronto; uma gentileza e respeito por qualquer forma de vida, mesmo os bêbados chatos; o conhecimento dos próprios limites e uma enorme disposição para superá-los; o brilho nos olhos cada vez que se sente desafiado pela palavra “impossível”; o hábito de se concentrar profundamente. No trabalho, nos momentos de lazer (que espero sejam maiores depois que se aposentou), no relacionamento com as pessoas ou no cuidado com a temperatura da cerveja no copo: “…melhor tomar antes que esquente.” E sorri.
Dona Inês chegou em casa contrariada e contou que o rapaz do armarinho tinha sido descortês. Pouco antes do meio-dia ele saiu para comprar um material que precisava. À noite descobrimos que o rapaz nunca mais seria descortês, com a aprovação dos outros funcionários do armarinho e o rosto esbofeteado. Silêncio, decisão e segurança. A vendedora do Mercado Modelo, em Salvador, o abordou falando em francês. Seu Zé, olhos azuis, cabelos louros grisalhos e ar hollywoodiano sorri. Seu Zé é uma das pessoas mais especiais que conheci, o sogro que virou amigo. E companheiro de pescaria com cerveja no ‘Panema. Cerveja e “estalazói”, que peixe que é bom, nada!
12 comments:
Belo texto!
Vc escreve como um poeta!
Bj!
Como sempre arrasou! Lindo! Seu Zé também tem sorte de ter vc! Baci
É meu caro, são esses personagens que fazem da nossa vida uma história cheia de asteriscos. As vezes é preciso fazer uma pausa para contar o sentido desse símbolo.
Fiquei imaginando quantos "Zé" existem por aí? A frase ficou estranha, mas o sentido não. Espero eu.
Eu lembro de um senhor que tomava conta de um farol e que vivia contando histórias para as crianças em Sardenha. Ele era amigo do mio nono que disse que depois que a mulher dele morreu ele resolveu tomar conta do farol para levar luz aos olhos cegos de homens que não haviam descoberto o amor. rs
bacio carissimo
Eita texto bom, Allan. Adoro quando você escreve desse jeito e estava com saudades, fazia tempo que você nao contava um conto e um verdadeiro.
Eu nao tive nenhum seu "Zé", no meu caminho, mas tive uma D. Beata. Incrível como esses personagens que passam pela nossa vida, escrevem conosco a história da nossa vida.
Boa semana
História maravilhosa! Abraços pra vc e "pro" seu Zé!
Lili.
Que delícia de post! Que delícia conviver com pessoas que enriquecem nosso dia-a-dia. E que bom quando há sensibilidade de perceber e louvar isso!
PS. Você não gostaria de escrever um post convidado para mim? Sobre uma mulher que você respeite, admire?
Ah, gostei desse seu Zé, viu? O meu sogro tem 83 anos e até hoje sai para dançar forró, apesar de ter feito já uma cirurgia e ter problemas com o pulmão. É uma figura! E você precisava ouvir ele contando os "causos" do tempo em que era tropeiro!
Abração para você!!
ciao ALLAN ,
Ho letto la storia ma è ancora presto per me per capire perfettamente la lingua portoghese , alcune frasi sono incompensibili e google traduttore non è di grande aiuto.
Desideravo informarti che per cause tecniche ho dovuto cambiare il nome ai miei blog aggiungendo una " a " all'inizio.
ti mando di seguito i nuovi indirizzi , oggi ho pubblicato un post sulla Riviera Ligure , potrebbe interessarti visdto che ami la Liguria e ci sei gia stato .
un saluto a presto .
http://anoriat.blogspot.com/
http://amyosotisneheraclides.blogspot.com/
Quem passa pela vida sem viver jamais escreverá um texto igual a este...
Manoel Carlos
Ciaooo Allan!!!! Olha eu aqui outra vez :)
que lindo o texto sobre o Seu Ze. So me assustei com o bofetao. nao esperava que uma pessoa tao doce, tao carinhosa fosse partir para a porrada.
bk
Parabéns Allan pela bela homenagem ao nosso e a todos os "Zés" da vida. Gosto e sigo com atenção seus textos e crônicas.
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