Caros e Caras,
Paz e saúde!
Convidado pelo amigo Flávio Prada a participar do mais importante evento cultural em terras italianas, fui com minhas (três) meninas conhecer a cidade de Mântova. O roteiro sugerido por um site me oferecia duas opções: o mais rápido, de uma hora e quarenta minutos, com um percurso de 163 quilômetros pela “Autostrada”, saindo de Piacenza, passando por Cremona, Brescia e Verona; o mais curto, indo direto de Cremona a Mântova, por estradas secundárias que cortam aqueles lugarejos de paisagens que se vêem nos filmes, gastando exatamente o mesmo tempo num percurso de 93 quilômetros. É óbvio que escolhemos o caminho mais agradável. Era também o caminho mais curto e sabíamos que o trânsito seria mais lento que pela estrada, mas apostamos no passeio.
Uma das mais respeitadas heranças do Império Romano é a proliferação de estradas. Para permitir a movimentação de tropas nos mais longínquos territórios conquistados, os romanos montaram uma verdadeira e invejável rede de vias por todos os confins das novas terras do império. Talvez essa necessidade de locomoção tenha ficado impresso no dna italiano. A Ferrari pode ser considerada a expressão contemporânea do ímpeto conquistador e da liberdade de ir e vir italiana: sempre com estilo e pressa.
Numa das primeiras cartas escrevi sobre a dificuldade de orientar-se através das placas de trânsito italianas. A regra continua valendo: ou você conhece o caminho, ou vai ter que estar muito atento e contar com a sorte. Um bom mapa ajuda, mas não resolve todo o problema. Para ir de Piacenza ao Oasi Sant’Alessio – um pequeno zoológico alternativo – na província de Pavia, por exemplo, faz-se um caminho por estradinhas extra-urbanas que se encontram e se cortam. São diversas rotatórias em meio ao campo, numa seqüência de cruzamentos dignos de uma caça ao tesouro. O problema é que após o primeiro cruzamento, onde há uma placa indicando o tal zoo, você só irá encontrar a próxima indicação no quinto cruzamento, se a sua intuição estiver certa.
Andar com calma, às vezes é difícil, com todos os outros motoristas pilotando as próprias ferraris imaginárias. Guiar na velocidade deles, porém, pode significar perda de tempo: você só conseguirá ver a única placa indicando a direção desejada ao passar por ela. E ela vai estar no cruzamento em que você deveria entrar, mas na última esquina. A solução é retornar mais adiante e refazer parte do trajeto. Isso sem perder o humor e estilo. Porque aparência é tudo.
Italiano adora regras, desde que elas sirvam para os outros. Italiano adora quebrar regras. O corolário é que a quantidade de regras nessa terra é um absurdo. Mas em algumas ocasiões esse hábito (de quebrar regras) se mostra útil. Se você encontrar num cruzamento uma placa indicando “todas as direções”, vire na direção oposta. É possível chegar no lugarejo a ser visitado em apenas cinco minutos. Caso seguisse a orientação de “todas as direções”, o caminho seria aumentado em mais dez minutos. É compreensível que a engenharia de tráfego tenha decidido desafogar o trânsito do vilarejo turístico com esse tipo de subterfúgio, mas onde é que fica a tal liberdade de ir e vir?
À exceção dos centros históricos, onde é impossível derrubar construções, transformar calçadas e esburacar ruas, estamos vivendo uma proliferação de rotatórias. É o atual símbolo de modernidade: evita o stress dos semáforos, torna o trânsito mais fluído, acaba com a obrigatoriedade de parar em cruzamentos à noite e livra os cruzamentos dos pedintes (onde é que eles vão pedir esmolas, agora?). É na construção de uma nova rotatória que se pode observar o funcionamento da mente italiana: no início, enche-se a rua de obstáculos plásticos vermelho e branco, desenhando-se o que será a nova rotatória. Forma-se um corredor que obriga os motoristas a seguirem o percurso desenhado. As faixas no asfalto são pintadas de amarelo, placas e mais placas informam a existência da obra, que não pode durar menos de três meses para que os motoristas tenham tempo de se habituar. Máquinas e homens constroem a nova rotatória, que consiste em uma calçada redonda em meio ao cruzamento, mais o alargamento das calçadas vizinhas, que também serão arredondadas. Com a obra pronta, os obstáculos vão sumindo aos poucos. A cada semana reduzem-se os obstáculos, até não restar nehum. Mas restam as placas. Milhares delas. Espero que um dia também elas desapareçam.
Passamos um dia muito agradável em Mântova. Principalmente pela companhia simpática do Flávio e família, de quem nos tornamos os mais novos amigos de infância. Mas a cidade histórica (como todas as outras) também contribuiu para tornar o passeio digno de ser repetido. Quem sabe a próxima faremos em uma Ferrari? Ficaremos um pouco apertados, os quatro dentro de um daqueles pequenos e maravilhosos carrinhos, mas a aparência é tudo.
Ciao.
8 comments:
Caro Allan
Entendo como você se sente. Já tive o privilégio de "passear" pelas estradas italianas... E sou obrigada a concordar que o trânsito (e as regras italianas) dai foi uma herança que herdamos aqui.
Beijão
Simpatizo com as estradas italianas, provavelmente porque so passei por elas de ferias. As rotatorias em sequencia sem as placas de indicacao e a necessidade do uso da intuicao para saber o caminho eu resolvi da seguinte forma: se nao sei para onde ir, vou `a esquerda (conotacoes politicas nisso?). Muitas vezes nao da certo, mas rende boas historias.
Em tres semanas estou embarcando para mais uma "confrontacao" com as estradas italianas...
abraco
Eu acho que um dos maiores charmes da "Grande Bota" é mesmo a maravilha de suas estradas. Não conheço Mantova, mas quem sabe na próxima vez (e talvez eu até peça uma carona na sua Ferrari, ainda que vá apertada e aumentando o número de mulheres em sua companhia) em que houver um encontro desse, eu apareça nas fotos. Só lembrem-se de avisar antes, hahaha. Bacione.
"Italiano adora regras, desde que elas sirvam para os outros. Italiano adora quebrar regras. O corolário é que a quantidade de regras nessa terra é um absurdo."
Essa frase me lembra um certo país. Aliás, cheio de italianos, heheh abs
Allan, caso eu morra sem ir a Itália, não merecerei o inferno... ;)
Ao que parece, o segundo encontro de blogueiros teve um aumento de quase 200% de participantes em relação ao primeiro, não?
Abraços
'Os mais novos amigos de infância'? Essa é boa!
Já ouvi piadas sobre as autostradas e sinalizações, mas eu mesma não gosto de dirigir na Europa, prefiro tomar o trem, sei que ele não chega em todo lugar...fazer o quê? Tomar carona de vez em quando, né?
Abraços
Leila
Com certeza não tem a mesma "intensidade" de suas aventuras pelas vias italianas, mas experimentei algo parecido durante minha viagem ao litoral do RJ. Escolhi estradas alternativas, a partir de Juiz de Fora, passando pelo interior norte do estado do Rio, divisa com MG (Além Paraíba). A partir daí, uma série de pequenas cidades e estradas vicinais, com todas as placas possíveis, menos a que interessava: Campos-Macaé-Rio das Ostras-Cabo Frio...
onde escreveste "Itália", risca, por favor, e coloca "Portugal"...vantagem:um dia que aqui venhas com as tuas (três) meninas...já estarás habituado, não estranhas !
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