Friday, November 06, 2009

Explicando a receita

Mês passado completamos dez anos de Itália. Perdemos referências, não sabemos quem é o cantor ou cantora da vez e desconhecemos muita gente que domina a mídia brasileira dos últimos tempos. Não há Internet que substitua o rádio do carro ligado, uma passada na banca de jornal, meia hora de tv ou a conversa de botequim. Por outro lado, adquirimos a cultura popular italiana. Chegamos a enviar e-mails falando de coisas que o nosso interlocutor não deve ter a mínima ideia do que seja. Isso quando não trocamos a língua. Noutro dia simplesmente não conseguia lembrar que melanzana, em português, é beringela – que eu detesto nas duas versões.

Algo parecido aconteceu quando dei a receita de “Penne alla norcina”. A querida Luma comentou:

“O que é que tem os cogumelos?

Uma certa mágica nesta receita - como amassar o dente de alho e não cortar? (com casca?) e como retirar o alho depois que amassou com a anchova e virou creme?

Não captou!! Beijus”

Os dias passaram e descobri que cometi a indelicadeza de não responder, o que faço agora. Eu não gosto de cogumelos – sim, o Cássio chamou à minha atenção que cogumelos são fungos, como os que se encontram em alguns tipos de queijos que eu devoro. Talvez a diferença esteja na dimensão, na consistência e no sabor acentuado dos fungos usados na caseificação, o que pode valer uma outra carta. Mas cogumelo, sejam porcini, tartufo e demais aliados, só se for pra não fazer feio como convidado.

Fica a ressalva de que existem diversas receitas com o mesmo nome. Algumas sem o tartufo ou outro tipo de cogumelo, e até com linguiça desmanchada. A receita que ofereci é apenas a mais clássica, mas não a única.

Sobre o alho: é comum por aqui amassar o alho e retirá-lo no final da receita e a coisa é bem simples. Descasque-o e, com um socador, – até o de caipirinha serve, se você não gostar de caipirinha – amasse ligeiramente o dente de alho, de modo que fique esmagado mas não aos pedaços. Isso permitirá fritá-lo sem que seus resíduos se misturem com o molho e facilitará a retirada do alho quando o prato estiver pronto, deixando apenas sabor e perfume no molho.

Anchovas. Em italiano, acciuga ou alice (plural: acciughe, alici). Podem ser vendidas salgadas em óleo, salgadas em vinagre, salgadas em salmoura, frescas ou salgadas. Normalmente usam-se as salgadas para esse tipo de receita. Devem ser lavadas, limpas da espinha e enxugadas. Para fazer o molho, frite o alho em azeite virgem de oliva, junte as anchovas e amasse-as – as anchovas! – com uma colher de pau. O alho fica no canto da frigideira, enquanto você vai mexendo as anchovas com o azeite até virar um creme e, ao final, com o alho frito mas inteiro, fica fácil retirá-lo da frigideira para completar o molho. Porque o que resta é apenas uma base, que pode ser enriquecida de diversas maneiras, inclusive com um pouco da água do cozimento do macarrão, pouco antes de escorrê-lo. Parece mais complicado do que é. Experimente – treine – e me conte depois.

Uma outra curiosidade é que algus pratos são típicos de estação. Se a feijoada fosse um prato italiano, seu consumo seria restrito aos meses mais frios do ano. Nos mercados, nesta época, as latas de anchovas salgadas são vendidas aos montes. Latas de três quilos abertas nos bancos frigoríferos, para serem vendidas a granel. 200 ou 300 gramas por cliente. Assim como as latas de enguias marinadas, que um dia tive a coragem de provar e descobri que a coragem nem sempre é boa conselheira.

7 comments:

Anonymous said...

Detesto anchovas.

Bjs.
Elvira

Anonymous said...

O seu texto "Férias na Itália" foi linkado, visto ser bem interessante.

Luma Rosa said...

Que fome!! :=)))

Nhoim, nhoim...que vergonha! Desculpe a impertinência, mas desde criança sou perguntadeira. Agora sim, entendi! Uma pena que não goste de beringela, pois tenho uma receita de pimentão recheado que junto com a dita cuja, também é acrescida anchova, azeitona preta, alcaparra, manjericão... etc. bem ao gosto siciliano!

Gostei do truque do alho! Bom para enganar crianças. Tem alguma versão para a cebola? (rs*)

Bom fim de semana! Beijus,

Allan Robert P. J. said...

Gentil Anonymous,

Agradeço o elogio das suas palavras. Honestamente, não me recordo de um post meu intitulado "Férias na Itália" e ficaria grato se indicasse onde foi linkado para que eu possa retribuir a cortesia da visita.

Allan

Marco Antônio said...

Uma coisa que eu acho bastante interessante na culinária italiana (que aprecio com prazer aqui em casa graças a italianinha que vive aqui) é a quantidade de alho usada.
Como você, ela come diversos queijos repletos de fungos (adora queijo) mas não gosta de cogumelos, nem mesmo de prepará-los.
E olha, beringela eu também não gostava, mas ela prepara de um jeito que eu experimentei e passei a adorar.
Dez anos na Itália? Deve ser uma aventura e tanto. Eu ainda não tive o prazer de conhecê-la, mas pretendo fazer no próximo ano quando a bambina retorna a Genova.
Curioso porque a Lu tem coisas que ela não consegue dizer em português como borboleta que pra ela é farfalla, mas tem varias outras palavras que ela diz que falta sonoridade na nossa língua.
Grande abraço

Segunda impressão said...

Eu passei a gostar de beringela com a minha vizinha italiana, que fazia uma maravilhosa, receita de sua cidade natal. Jamais encontrei parecidas... Se vc provasse, garanto que não se arrependeria.
Já cogumelos não me agradam.

Mônica Brandão said...

Allan, não sou o rádio do carro mas posso te contar que a bola da vez no Brasil é a história da estudante Geisy Arruda, que foi expulsa de uma universidade depois de causar alvoroço e ser agredidas pelos colegas estudantes por usar um vestido curto (nem era tão curto assim, diga-se de passagem). A Universidade expulsou, a mídia caiu em cima e agora eles retiraram a expulsão. Mas a história promete mais capítulos emocionantes, como a menina, obviamente, saindo em alguma capa de revista masculina. Aí, como disse o Cássio, os colegas vão ter de comprar nas bancas...
beijos
Mônica