Sunday, November 24, 2024

Berto

  


  Esse é o Berto, o mais recente agregado à família, adotado tem quase três meses. O pimentinha do canil era um forte candidato à lista dos cães não adotáveis, por seu comportamento agressivo. “O Prefeito”, era como o chamavam no canil da cidade. À exceção da doce Teresa, mordeu todo o exército de voluntários e funcionários do canil.

    Como manda a tradição, não fomos nós que o escolhemos, mas ele a nós. Ao voltarmos dos passeios que fizemos pelos campos em torno do canil, sempre sob a supervisão de Teresa, os temerosos operadores gesticulavam pelas nossas costas quando entrávamos: “mas que gente é essa? De onde vêm? Vão mesmo adotar a fera?...” numa mistura de estupor e revolta. Berto, indiferente, caminhava tranquilo ao nosso lado, com guia e peitoral, nos passinhos ritmados, tip tap, cauda balançando e direito a colo e beijinhos. “Mas que gente é essa?”

    Teresa ria, sabia que nós teríamos a coragem de tirar o Berto de trás dos alambrados e oferecer a ele carinho, amor, cuidados e muitos lugares mais confortáveis para dormir. E muitos, muitos passeios. Ela nos acompanhou na adoção do Shiva, em 2017 e do Garcia, em 2014. Nos conhece bem.

    Mas voltamos ao primeiro semestre de 2023 para contar como Berto chegou ao Canil. Depois de alguns dias vagando pelas ruas da periferia da cidade, finalmente o serviço de proteção animal conseguiu capturar o monstro de sete quilos, numa emboscada que reuniu funcionários experientes. Foi pego no laço; impossível se aproximar dele sem arriscar a pele. Sem microchip, foi anunciado de muitas formas (jornais, mídias sociais, etc.), esperando que o tutor fosse resgatá-lo no canil. Sim, teria que arcar com o custo da captura, da implantação do microchip e da multa, mas é assim que deve ser. Apesar dos muitos apelos e de todo mundo saber aonde vão parar os cães abandonados, ninguém se apresentou. E Berto – esse foi o nome que recebeu no canil – passou quase dois anos atrás de um alambrado, bem cuidado e protegido, e somente a Teresa que o levava a passear nos campos em volta da estrutura.

    A quase dois meses da chegada do nosso pequenino, ainda não me conformo de não poder chama-lo de bagunceiro, peste, pilantra. Não, Berto é o cão mais doce que já tive na vida. Faz amizade com todo mundo, brinca com todos os cães que não tentam mordê-lo, é obediente, não faz bagunça, não destruiu nada e está aprendendo a brincar com alguns brinquedos. Apaixonou-se pelo Filippo, o veterinário que o examinou cuidadosamente, espetou duas patas e o pescoço (resmungou, mas não tentou morder e permaneceu quieto enquanto eu o segurava). Não late, não uiva e raramente rosna. Se um cão não aceita a aproximação e late, Berto aponta calmamente o focinho noutra direção e ignora. Ignora. Sem estresse.

    

E cá estamos nós noutra viagem sem volta. Como manda a tradição, Berto não é um substituto. E esse é o tempo de ele receber o nosso amor e carinho. E muito, muito cafuné. Que é só o que ele pede.

 

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