Monday, September 07, 2020

Diário de um mundo novo - parte 16

 Diário de um mundo novo – dia 106

— A cerveja acabou.

— Como assim, “a cerveja acabou”? Nessa casa a cerveja nunca acaba.

— Simples, acabou.

— Por favor, põe mais cerveja no congelador, vai.

— Acabou. A-CA-BOU!

— Eloá, a cerveja nunca acaba nessa casa. Se acabar, tá todo mundo proibido de tocar no meu vinho. Põe cerveja no congelador que eu quero comer ciccioli com cerveja estupidamente gelada. Pliss!

— Cê comprou?

— E você acha que eu iria deixar acabar pra comprar?

— Mas cê num pode comer ciccioli, é muita gordura.

— Vem, Shiva. Bora fumar no balcão, vem.

— Allan, é muita gordura!

— Hoje é dia trinta e um de agosto.

— E daí?

—Daí que amanhã é dia primeiro de setembro.

— E...?

— Daí que amanhã eu vou tomar vergonha na cara e começar a comer direito. Tipo uma dieta, sabe?

— E por que não toma vergonha e começa hoje?

— Porque hoje não é dia de tomar vergonha na cara, é dia de tomar cerveja e comer ciccioli.

— Ah, tá bom. Olha que eu tenho testemunha, hein?

— A Luiza? Ela também vai comer ciccioli e tomar cerveja com o pai dela.

— Tendi.

— Qué ciccioli?

— Claro! Hoje é dia de comer  ciccioli e tomar cerveja

— Essa é a minha garota!

 

Diário de um mundo novo – dia 107

Então que começou a chover na sexta-feira à tarde e só parou na segunda de manhã. Antes disso, a temperatura viajava entre os 25 e 38 graus. Então que alguém apertou o botão e a temperatura hoje de manhã era de 13 graus. Ah, é assim? Então, tá.

 

Problemas grandes pedem grandes soluções. Eu aqui imaginando um modo para que os painéis de energia solar não façam sombra sobre a terra. Sim, porque uma hora vai ter tanto painel fotovoltaico que uma grande extensão do solo vai permanecer na sombra. Um painel retrátil que se abre à noite?

 

— Por que uma guia com duas pontas, uma na coleira e outra no peitoral?

— É uma guia de adestramento.

— E o que ele tem que aprender assim?

— A não tentar escapar quando vê outro cachorro.

— Como assim?

— Se estiver só com o peitoral ou só com a coleira, consegue escapar. Mesmo com o peitoral apertado.

— Tá falando sério?

— Pode acreditar.

— E quanto tempo ele precisa desse treinamento pra aprender?

— Ah, esse é permanente.

 

Diário de um mundo novo – dia 108

Berlusconi contaminado.

Neymar, Di Maria e Paredes contaminados. Todos do PSG. Todos retornando de férias em Ibiza

*

Relatório da Defesa Civil das últimas 24 horas:

- 1326 novos casos confirmados

- 6 vítimas

- 103.000 testes

Os números devem continuar altos. Tudo culpa de quem saiu de férias sem seguir as regras de proteção. Nos bares, restaurantes e discotecas chiques da Costa Esmeralda, na Sardenha, nada de máscaras e distância. Só aglomeração. Num único local – o Bilionaire, do bilionário Flavio Briatore, 58 empregados contaminados, centenas e centenas de clientes por noite (distância?). A média de dinheiro gasto por pessoa é de € 2.500,00. Até o patrão pegou.

*

— Quanto custa?

— O dobro do que você queria gastar.

— Não faz pela metade?

— Sim, mas faço só a metade.

*

Paixões rimam com verões. Ardem a pele, aquecem, iluminam. Quando o Sol cede às chuvas, quando a febre baixa, a luz diminui, os dias ficam mais curtos. Paixões e verões nunca acabam. Descansam por poucas estações e revigoram.

 

Diário de um mundo novo – dia 109

Por que, às vezes, tem um de vez em quando que funciona, mas não dá certo? Se essa coisa de ir e voltar cansa, imagina quem leva no lombo. “Pensar enlouquece. Pense nisso.” Já dizia o Ina.

*

Claro que esse frio vai dar espaço prum rabo de verão já, já. Isso sem contar com o “verão de San Martino”, que é mais pra frente. De qualquer modo, cabô o tempo de reclamar do calor. Dos pernilongos, pode. Vem aí a vez do frio.

*

“Cenas do próximo capítulo” é só pra engrupir você.

*

Sabe um cara muito atarefado, que faz um monte de coisas todos os dias, é sempre super ocupado, inclusive nos fins de semana? Ao contrário do que dizem, é a pessoa a quem você não deve pedir favores. Se for amigo, mais um motivo. Afinal, amigo não é pra encher os pacová. Pois eu tenho um amigo assim. E, adivinhem? Pedi um favor pra ele e estou realmente passando dos limites. Hoje, no que deve ser a última vez que o torturo (mas não posso prometer), ele, no meio da mensagem colocou um “se você insiste”. Passei por cima, fingi que não entendi. E insisti.

*

Gostei dos asteriscos, percebeu?

*

 

Diário de um mundo novo – dia 110

Ok, os dias de verão continuam, mas as manhãs são de outono. Fim de outono, pra ser mais exato. Tá certo que acordo muito cedo e que a temperatura refresca à noite, mas temperaturas tão baixas não são dessa época. O calor é o de sempre, depois que o sol esquenta. O frio matinal, não.

*

Tem uma coisa, um detalhe, que tem me irritado muito nessa pandemia. Não me refiro ao caos ou à catástrofe sanitária, que são problemas monstruosos que nos afligem a todos, não. Me refiro a uma pequena satisfação que tive que abdicar desde que o uso de máscara se tornou essencial: não dá pra usar máscara e assobiar. E eu gosto de passear com o Shiva assobiando. Me dá uma raiva...

*

Viu?

Sim, tô falando com você.

Eu vi que você colocou a máscara só pra ter certeza.

Viu? Não dá pra assobiar.

É o fim da picada!

 

Diário de um mundo novo – dia 111

O Caçador Maluco adora correr atrás dos pequenos lagartos nos parques e jardins. Cães, gatos, peixes – contei que fui pescar com meu sogro e voltamos pra casa com onze trutas? – e répteis, abandonados ou não, dividem o espaço nas casas, ruas e campos. Os mesmos campos que, quando cobertos de neve, acolhem aquela espécie de cegonha que me dá pena. Por que não migram? Como conseguem passar horas com uma das patas fincada na neve? Do que se alimentam? Onde dormem, com um frio de lascar?

 

O Caruso (o melro que vive no telhado) e a turma dele já não cantam. Esgoelaram-se durante a primavera e início do verão, procriaram, cresceram os filhotes naquele desespero de caçar bichinhos o dia inteiro, os ensinaram a voar e os deixaram voar a própria vida. Nos encontramos todas as manhãs, que a fome se renova com o Sol. Só não cantam mais. Até o fim do inverno. A fauna da cidade, incluindo a periferia, conta com muitos pássaros e outros tantos. Faisões estão sempre em haréns, com um macho cercado de fêmeas. Os ouriços só são vistos durante a noite e pouco antes do alvorecer. O Shiva já aprendeu a não aproximar o focinho deles, mas late desesperadamente. Coelhos, lebres, pequenos cervos e, ocasionalmente, javalis, passeiam tranquilos nos campos nas bordas da cidade. Lobos, só na parte alta da província. Pombos, gaivotas, falcões e uma infinidade de corpos protegidos por penas fazem um escarcéu desde cedo. Ah, o barulho dos pica-paus nas árvores é inconfundível.

 

Saudades das pescarias com Seu Zé.

 

Ah, que inveja dessa bicharada, anônimos indiferentes nesse caos.

 

Diário de um mundo novo – dia 112

Há dias que a melhor palavra é o silêncio.

Hoje é um deles.

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