Monday, May 18, 2020

Diário do fim do mundo - parte 10


Diário do fim do mundo – dia 64
Regras da casa
1)    Para melhorar a recepção do sinal do wi-fi quando o laptop for usado no balcão, os demais residentes devem limitar à conexão do sinal dos próprios celulares em modo direto, usufruindo dos próprios planos de telefonia móvel, cujo limite não é jamais alcançado;
2)     Quem chega em casa depois das 18h00 deve encontrar comida pronta, banhos tomados e sorrisos no rosto. Perguntas não são aceitáveis senão depois que o residente tomar banho e jantar, peremptoriamente;
3)    A área formada pelo triângulo de 5 centímetros entre as duas cubas da pia da cozinha não poderá mais ser usada para apoiar louças, latas vazias de cerveja ou quaisquer outros objetos. Pena: os gatos jogarão no chão tudo o que se encontrar no exíguo espaço, com risco de danificar ou derramar o que será derrubado sobre o pavimento. Para efeito de cumprimento dessa regra, face à absoluta falta de bichanos no lar, fica determinado que Este habitante fará, obrigatoriamente as vezes do felino;
4)    O lixo a ser depositado nos latões no quintal devem obedecer às regras da coleta separada. Dessa forma, não será permitido depositar nos sacos de lixo os resíduos de classificação diferentes, exceto quando o cão decidir verificar o conteúdo dos sacos, trancados no armário externo, ocasionalmente arrombado em forma oblíqua;
5)    A toalha de banho Deste morador permanecerá sempre pendurada no lugar de sempre. O uso dela é limitado exclusivamente ao usuário, mesmo em situações retas de confusão ou esquecimento;
6)    As garrafas de água devem ser completadas quando vazias e recolocadas na geladeira. Quem usa a água gelada para limonadas ou outros refrescos fará a máxima atenção no cumprimento desta. Pena: Este residente, não encontrando água suficiente para matar a sua sede paquidérmica irá consumir toda a cerveja gelada que houver, provocando insatisfação e atrito com os demais bêbados da casa, de forma análoga;
7)    Quando algum ocupante se encontrar no balcão fumando, seja transversal ou lateralmente, os demais inquilinos devem se preocupar pelo o bem estar do outro, visitando-o regularmente no espaço aberto para oferecer vinho, conhaque, café e cerveja gelada, acompanhada de petiscos.
As regras acima descritas passam a incorporar, de modo taxativo, o extenso rol existente, raramente cumpridas. Uma vez que as novas regras complementares forem estudadas minuciosamente pelos demais coabitantes, far-se-á uma reunião onde serão debatidas e colocadas em vigor. Caso hajam incertezas, deve-se aceitar a decisão de quem terá obtido a maioria, caso falte consenso, considerando que tais normas sejam aplicadas em todas as suas formas transversais. Na eventualidade de a aprovação não alcançar a unanimidade, fica valendo a decisão da maioria, no caso, Eu, como segue. Fica instituído que Este morador responde pelo próprio voto, bem como pelo do cão de família, o qual não poderá ser jogado pela janela com intuito de estabelecer um impasse na votação. Eu acho.

Diário do fim do mundo – dia 65
Essa semana foi movimentada. Sol primaveril, tardes frescas e longas como trilhos de trem, madrugadas frias, chuva, pré-anúncio de verão e auroras comoventes.
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Já escrevi que as tabacarias reabriram? Lembra? Não? Nem eu. Ontem a Eloá saiu para trabalhar e precisava comprar sal. O fornecedor... Ele é, sei lá, só sei que ela ficou sem sal. Durante essa fase os supermercados abrem mais tarde e ela não podia esperar. Passou na tabacaria – que abre mais cedo – e comprou um quilo de sal. O preço do sal comum no mercado varia entre 0,32 e 0,39 euros. Ela pagou 1,50 euro um único quilo de sal, quatro vezes mais caro. Por quê ainda tem gente que teima em comprar sal na tabacaria é um mistério.
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Essa semana foi fácil identificar que saiu de carro pelas ruas. Pelo menos a partir de quarta-feira. A chuva daquele dia veio misturada com areia do Saara, um evento fascinante que se repete.
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Preciso lembrar de levar sempre os óculos escuros quando sair durante o dia. Mesmo que tenha um temporal lá fora.

Diário do fim do mundo – dia 66
Sábado improdutivo de quarentena. O dia nublado contribuiu para o ânimo e a cochilada foi inevitável. Tomei uma Ichnusa [iknusa – cerveja da Sardenha] crua enquanto fumava lá fora. Tomei outra e mais outra, com tira-gosto. Notei que estou deixando de ser careca para assumir o novo visual de cabelos curtíssimos. E brancos.
O pilantra do meu cachorro está cada vez mais pilantra. Tem uma brincadeira que faço que ele não gosta: curvo o corpo pra frente até ficar quase da altura dele, abro os braços e espalmo bem as mãos com os dedos em forma de garras. Nessa hora ele joga as orelhas pra trás, como se quisesse escondê-las ou fingindo ser uma foca preu dar uma folga. Ficamos nos encarando até eu fazer menção de me mexer, o que é proposital. Ele então abaixa a bunda quase até o chão, pois sabe que eu vou pegar o rabo dele e fazer “quá, quá” e corre com a bunda quase arrastando no chão. Claro que vou atrás, tentando pegar o rabo dele. Quando acha espaço, roda como se fosse um pião, sempre na mesma posição e, pra cortar caminho, pula pelo sofá. Roda como pião, rosna e late. Acuado, sobe no sofá mostrando os dentes. Pego o rabo e quá, quá. Ele me morde e eu inssito. Ele fica puto da vida. Sabendo que não pode me morder de verdade, pra arrancar pedaço, o fídamãe agora me belisca. Belisca! Consegue pegar a pele do braço com os dentes e dá uma mordidinha, nada que arranque pedaço, mas dói pra caramba. E quando eu grito, belisca mais. Vez ou outra tenho um braço roxo. Quá, quá!

Diário do fim do mundo – dia 67
Hoje nosso amiguinho de quatro patas acordou especialmente endiabrado. Latiu, rosnou, pulou, tentou fugir e ficou com vontade de matar e despedaçar todos os cachorros que encontramos pela rua. E foram muitos, infelizmente. Fazia tempo que ele não ficava assim. Já é o quarto braço que ele me arranca. Sorte minha ter encomendado mais um de reserva, da última vez que pedi braços sobressalentes. Já encomendei mais três. Paguei com os rins dos vizinhos, que os meus já acabaram. Sabe um trator com turbo dando uma arrancada? Melhor deixar pra lá.
O merdento fica na cama até que alguém levante. Mesmo assim, só levanta se percebe que o vivente não vai mais voltar. Vai espreguiçando e alongando até o sofá, dá um milhão de bocejos, fecha os olhinhos e fica esperando carinho. Só depois de ser muito mimado é que mostra a porta, pedindo pra passear. E me faz um salseiro da maior entidade.
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Risotto com limão e camarão salteado.
Charutada boa no balcão até quase anoitecer, que acontece tarde. A quem não conhece, sugiro a canção “Azzurro”, com Adriano Celentano. Tem um trecho que diz “azzurro, il pomeriggio è tropo lungo e azzurro per me” (azul, a tarde é azul demais e longa pra mim). São exatamente assim as tardes nesses dias. A música fala de alguém que ficou sozinho na cidade, pois quem ele queria por perto foi para a praia. Paolo Conte também interpretou essa canção e eu gosto muito, mas ainda prefiro com Celentano.
A gente perde a hora, quando vê já é nove da noite. Noite?
Daí que eu assisti o filme com ela. Daí que o mocinho parecia que também era bandido, mas tinha que proteger a esposa maluca. Daí que a parceira dele tava investigando ele. Daí que era o penúltimo episódio da temporada e ela perguntou se eu não queria assistir o último com ela.  Daí que eu assisti e não era o último nada e já ia começar a temporada seguinte. Daí que eu fiquei de saco cheio qu’eu não tenho paciência pra séries. Daí que eu fiquei pensando como é irritante ficar ouvido ou lendo gente que tem a mania do “daí, daí, daí”. Noooossa! Como vocês aguentam?

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2 comments:

Eliana said...

Olá, voltei pra saber das novidades por aí!
"A decisão da maioria: EU!" Foi boa. Justo! hahaha E lógicamente o voto do Shiva prevalece com a maioria! Sei...hahaha Quando me falaram da areia que chega com o vento do Saara, inacreditável. Ninguém acredita quando falo isso. Fato que os carros aqui na rua, em determinada época, ainda mais com os ventos que chegam do sul; estão todos empoeirados, embaixo de uma camada de areia dourada, alaranjada.
E os dias longos...a gente sente mais fome...não escurece e a gente aqui "perde a hora" também.
Olha...fiquei curiosa com este risotto com limão e camarão salteado.
Bom fim de semana.

Eliana said...

Ahhh lembrei...sobre séries...difícil. Normalmente passa uma vez na semana...não dá...já começa por aí a minha dificuldade em seguir nos dias certos. Não gosto destes canais de assinatura que a gente assiste quando quer. Sou das antigas no quesito TV.
Pra não dizer que nunca vi nada de série...vi com meu marido Breaking bad, a primeira temporada. Vimos "Humans" e agora seguindo Killing Eve a terceira temporada. Perdemos a segunda. Mas esta é muito boa porque, apesar dos pesares, a gente ri.