Daí que o bode escorregou e ficou pendurado no
abismo. Situação muito estranha, pois bode que é bode não escorrega nem fica
pendurado em abismos. Além disso, o bode conhece bem a região, está acostumado
a fugir da onça e a beber água no rio quando o jacaré não está por perto. O
bode é – digamos assim – macaco velho. Além disso, sofre de vertigens; nunca se
aproximou do abismo. Como aconteceu dele estar pendurado no abismo, eu não sei.
Eu só sei que foi assim.
O sol esquenta a moleira do bicho. Olhos estalados,
boca fechada, que bom cabrito não berra. No caso, bode. Mas tá lá, na beira do
abismo. Ninguém sabe, ninguém viu como foi; coisa estranha mesmo. Não dá pra
subir, pra baixo tá muito longe e também não dá pra ficar ali. E o bode que nem
é de filosofar, quer apenas sair dali. Aguçando bem as orelhas, sente o respiro
e o farejar logo ali em cima. Mudo estava e mudo permaneceu.
Lá embaixo a água tem movimentos suspeitos. O
bode estala os olhos e elimina definitivamente a alternativa de megulhar lá de
cima. Jacarés também não fazem escândalo. Nem quem ronda ali em cima. Presas e
predadores são sempre silenciosos. Até a grama do bode cresce sem barulho. Um
mundo mudo de armadilhas e escorregões, o importante é não dar na vista. E
disso o bode sabia muito bem. Só não sabia como tinha ido parar numa situação
daquelas, como iria sair e se escaparia de ser devorado. Em todo o caso, o
silêncio é ouro. Matutar quieto. A torcida para ele tomar a decisão errada e
deixar a pele é só o que existe. Matutar quieto.
A tardinha ameaça a virar noite, quando todos
os gatos são pardos. Bode, onça, jacaré e a plateia espreitam o escuro para
adivinhar o futuro, mas o futuro ainda nem é madrugada. Quando o Sol despontar,
nem bode, onça ou jacaré estarão lá. O presente será passado e o bode – se sobreviver
– não vai se gabar. Nem fazer escândalo. Só a grama vai saber se deu bode na
cabeça, que nem tem no jogo do bicho, só no jogo de vida e da morte. Sem
Severina, sem nada.
Como aconteceu do bode estar pendurado no
abismo, eu não sei. Eu só sei que foi assim.
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5 comments:
Bem reflexivo a e-h-stória do bode... rss... mas é bem assim, viver é se ver, em alguns momentos, "sem Severina, nem nada", e sem saber para onde aponta o sol. O que não podemos é ficar na zona de conforto, seria se jogar pro abismo apenas com a coragem do fim, mas não da verdadeira luta.
Ah pobre do bode, da história que deu bode!
Me diverti!
:)
Ah pobre do bode, da história que deu bode!
Me diverti!
:)
Tenho cisma com finais abertos. Gosto de desfechos. Felizes ou trágicos, não importa. Quero saber que bicho vai dar! :)
abraço, garoto
Literalmente deu bode kkk
k!
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