Viscissitude é
uma palavra antipática, que soa mal. No entanto, foi a que escolhi para a
contar o ano conturbado de Ferrari, um comerciante quase anônimo da província
de Piacenza (Ferrari é um sobrenome muito comum na região).
Tudo começou
ainda no início do ano, quando ele decidiu viajar para o Egito com a namorada.
Fazia anos que não tirava férias; aproveitou que o ramo de piscinas pré-fabricadas
não faz muito sucesso durante o inverno europeu e partiu.
Chegando ao
Cairo, viu toda a programação ir por água abaixo, dissuadido pelo consulado
italiano a permanecer na capital. Hotel, taxis e passeios pagos não seriam
reembolsados. Em compensação, Alexandria é uma cidade suficientemente aprazível
para fazer esquecer os conflitos, circunscritos ao Cairo.
Após um dia de
caminhadas, compras e visitas a museus, Ferrari e a namorada voltavam ao hotel
de ônibus, trocando propostas obscenas na maior tranquilidade; afinal, eram os
dois únicos estrangeiros no ônibus e conversavam em italiano. Pouco antes da
praça onde fica o hotel, a namorada questionava onde deveriam descer. O cidadão
do banco ao lado, que conversava animadamente em árabe com os amigos, virou-se
e – em perfeito italiano – orientou-os sobre o ponto mais próximo do hotel.
No início da
primavera, Ferrari foi obrigado a substituir gratuitamente todas as piscinas
fabricadas e instaladas no ano anterior, por causa de um material tóxico. O
excesso de trabalho obrigou Ferrari e dois empregados da administração a
trabalhar como operários, com diversas horas extras, inclusive nos finais de
semana. A conta da folha de pagamento ficou salgada.
O excesso de
esforço causou-lhe uma érnea que precisava ser operada, mas tendo que
recuperar-se das... Digamos assim, vicissitudes, marcou a operação para a
semana de Ferragosto, quando tudo fecha em Piacenza.
Fez a cirurgia e
tudo correu bem. Foi levado para um quarto que já acomodava um outro rapaz, às
dez e meia da noite do dia 14 de Agosto, véspera de feriado. Acordou na manhã
seguinte e cansou de esperar que alguém aparecesse. Impedidos de se levantar,
os dois pacientes chamaram, gritaram, mas ninguém apareceu. Com dificuldade,
Ferrari conseguiu alcançar o celular no bolso da calça dentro do armário. Ligou
para todo mundo, inclusive para o médico dele, para os Carabinieri e à Defesa
Civil. Dez minutos depois o quarto do hospital tinha sido invadido por um
batalhão de pessoas: bombeiros, o médico, três enfermeiras, os Carabinieri e um
jornalista do jornal local. O policial que o conhecia o repreendeu: “só você
para se operar no Ferragosto, quando esta ala do hospital fecha”. A namorada virou
ex e não deu as caras. Sim, “ex”: viajou para Alexandria, no Egito, e parece
que vai se casar com o dono do hotel em que se hospedaram.
E o ano ainda nem
acabou.
.
10 comments:
hhahahaha! coitado:)
boa, um gde abraco!
Quando a gente pensa que não tá vivendo um bom momento, sempre tem alguém que tá pior :-(.
Queria saber quem será o padrinho deste casamento :)
Um ótimo domingo!
Se não melhorar, piora... Ou melhora, pois, é nas maiores vicissitudes que conhecemos quem está à nossa volta!
Abraço, garoto
sempre acho que as coisas podem ser piores, ou seja, sou uma otimista de plantão! Se podem ser piores, costumo ficar feliz com as coisas do jeito que são mesmo...
Mas sem querer fazer trocadilho infame e já fazendo, o teu amigo Ferrari está ferrado, coitado ;)
Por isso que costumo dizer: não dá pra reclamar, pois sempre pode ficar pior ;)
Como dizem: Isso também passa... Sejam as alegrias para nos manter com o pé no chão, sejam as dificuldades pelas quais temos que passar. Tudo é um momento. : )
É, tem anos que são assim. Por exemplo, há um ano atrás, eu morava em Angola, estava bem empregada como gerente de marketing, e tinha um namorado há kms de distância. Agora, moro no Brasil, estou mais ou menos desempregada, e tenho um marido há kms de distância.
Ótimo ! ( o texto, não as aventuras do Ferrari ).
AUhauauah coitado...
Kisu!
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