Sunday, January 13, 2013

A solidão perdida



A dois anos, desde que Cinzia mudou-se para o centro de Milão, elas não se encontravam. Elisabetta exibia um sorriso incomum e parecia dez anos mais jovem.

Betta! Nossa, quase nem te reconheci...

Oi, Cinzia! Bom te encontrar. Acabamos sem tomar aquele café na sua casa nova...

Pois é, menina, você nunca vinha ao centro. Que novidade é essa?

Bom, eu agora moro no centro.

Que legal! Vocês também se mudaram pra cá?

“Vocês”, não. Eu mudei pra cá.

Como assim, Betta? Vocês divorciaram?

Dei entrada nos papeis...

E onde você está morando? Você está tão bem!

Estou morando no apartamento que a minha tia deixou de herança, aqui pertinho do Parque Sempione e...

Me conta, o que aconteceu? Vocês pareciam um casal tão estável...

Um dia me dei conta que éramos estáveis demais. Eu acordava cedo, preparava o café, mandava os filhos pra escola, o marido pro trabalho, arrumava a casa, ia ao supermercado, preparava o jantar, recebia um beijinho na testa e suportava o cansaço e a insatisfação dele com o trabalho, assistia televisão e me preparava pra recomeçar tudo igual no dia seguinte.

Mas... Se nos encontrávamos sempre na pizzaria?

Aos domingos. As minhas únicas distrações eram a pizza no domingo e alguns minutinhos no computador. Os filhos cresceram, as horas extras dele aumentaram e eu fui ficando cansada de ser só a patroa.

...Fez plástica?

Parece, né? É só o resultado de muita caminhada ao ar livre, frequentar academia, comer fora e fugir dos afazeres domésticos. Tem uma equatoriana que vem fazer a limpeza três vezes por semana e quase não cozinho em casa.

E o Giorgio, os meninos...?

Os meninos já não são tão meninos assim. Passam o dia na faculdade e estão sempre na rua. O Giorgio acho que foi quem menos sentiu a minha ausência: a mamãezinha dele vai lá cozinhar pra ele todos os dias, obedecendo o cardápio semanal que ele gosta e está habituado. E a equatoriana vai lá três dias por semana, também.

Cardápio semanal? Ainda tem gente que faz isso?

Sim, toda a família do Giorgio é assim. A cada dia da semana corresponde um prato; no Natal, Páscoa, Ferragosto e qualquer outro feriado, idem. Pizza aos domingos.

Mas você está tão feliz. Nem parece estar sozinha...

Sozinha, eu? Nem pensar! Fiz um monte de amizades na academia, trabalho meio período numa livraria e saio todas as noites. Todas! Minha vida está agitadíssima; nem imaginava que existia vida além das fotos de família no computador. Semana que vem vou aprender a esquiar. Quer vir? A turma é divertida...

Ahn... Não vai dar. Eu ainda não tenho uma equatoriana pra dividir com o ex-marido. Nem tenho um ex-marido. Ainda.
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9 comments:

Flavia said...

Ainda bem que houve um final feliz !!!Adoro história que o povo conta, beijos

Elvira said...

Antes só do que mal acompanhada.

Bjs.
Elvira

Inaie said...

hahaha... e eu to vendo todas as minhas amigas se separarem. Uma a uma. Mas as separações nao tem sido assim tao alegres e saltitantes!

maray said...

sair todas as noites, academia todos os dias, etc, etc. Já vi muito disso. Estabelecem-se novas rotinas. O problema não é a rotina. Como dizia o outro: o inferno somos nós.

Mas a humanidade caminha assim mesmo. Talvez faça parte, sei lá.

Nennafalchi said...

Olá, Allan!

Li e refleti muito. Você fez um jogo genial!

A começar pelo título, foi um trava cérebro com a antítese; aí notei que o fim da solidão dela é - na realidade - o início da verdadeira solidão (academia, amigos, trabalho, nada disso substitui a vida conjugal. Sim, é verdade que uma vida conjugal de má qualidade é quase nula, mas de qualquer forma a família não existe mais).

Tanta gente tem essa ilusão de antes só que mal acompanhado, mas sabemos que uma relação depende sempre dos dois, basta corrigir para não deixar ir pela tangente.

Fiquei com pena dela, mas feliz com a sua capacidade de jogar com esse tipo de situação. Cheio de entrelinhas. rs

X.F. said...

Boa!!!

Anonymous said...

Hehehe...
Conheço algumas mulheres que renasceram quando se separaram.
Manoel Carlos

denise rangel said...

Estar só acompanhada pode ser frustrante mesmo. Não sei se tantas atividades sejam um modo de burlar a solidão. No fim, todos precisam de alguém para amar. Pelo menos deveria ser assim.
abraço, garoto

myra said...

sim precisamos muito amar a alguem e nos amem...
beijao