Lembro do meu primeiro Natal em São Paulo. Deixamos o Rio e fomos passar uns dias em Itacuruçá, onde terminei o tratamento da desidratação que quase me levou. Ked Hotel. Em seguida fomos para São Paulo, morar na rua Américo Brasiliense, em Santo Amaro, na casa ao lado da igrejinha de madeira que alguém – a algum tempo – me informou que ainda existe. A mesma igrejinha que se esvaziava cada vez que Fanny e Blue, as duas cadelas dinamarquesas, conseguiam fugir e nos procuravam entre os bancos (que nunca frequentei), apesar das lamentações do padre.
Chegamos no dia 22 de Dezembro. Na manhã seguinte meu pai tinha colocado sobre o gramado as bicicletas que deveríamos ganhar no Natal, dois dias depois. Acabou enfrentando o corre-corre das festas para nos comprar outros presentes. Foi no quintal daquela igrejinha que aprendi a andar na minha bicicleta azul.
Alguns anos antes, deveria estar naquela fase em que se aprecia mais o embrulho e os enfeites que o brinquedo. Me imagino maravilhado com tantas cores e rumores, fitas e transparências, como qualquer bebê. Às vezes tenho a impressão de lembrar-me do cheiro do mar de Dezembro que chegava na rua Cinco de Julho, em Copacabana, mas não posso jurar que não seja apenas mais uma armadilha da memória.
Às vésperas de mais um Natal, revivo emoções contraditórias, pensando em quantos outros bebês se entusiasmarão com seus pacotes e quantos pacotes inúteis os adultos abrirão, recebendo lembranças que servem apenas como comprovante da preocupação de alguém. Quando foi a última vez que você fez um presente com suas próprias mãos? E por que não aproveitar toda essa crise e a urgente necessidade de reduzir o consumo de embalagens, para dar presentes feitos à mão, produzidos localmente e sem embalagens? Se esse hábito virar moda, quantas árvores, combustível e plástico serão poupados?
Todos falamos em reverter os valores dessa época, em como o Natal deveria ser uma festa de confraternização e renascimento, mas continuamos a comprar às pressas lembranças e supérfluos, estimulando justamente o que deveríamos combater. Até quando? Esse pode ser o Natal que desejamos, mas precisamos resistir às chamadas do consumo, qualquer que seja o pretexto. Seja criativo e faça a sua parte, evitando embalagens desnecessárias e produtos importados do outro lado do mundo. Presenteie com produtos feitos à mão. A sua, se possível. Muitos de nós crescemos sob o encanto dos pacotes coloridos, mas podemos dar um outro valor ao Natal, aquele original. Nossos natais podem ser verdadeiros, diferentes desse Natal estressante e cansativo.
Só um deslize nos presentes dos bebês pode ser tolerado, para manter ou resgatar a magia dos natais da infância, de quando não sabíamos ainda que esse mundo precisava ser salvo.
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10 comments:
Concordo mais uma vez com você...e até agora só comprei presente para minha sobrinha e minha irmã (e no caso vai ser presente de aniversário tb pq eu não a vi no aniversário).
Não estou com vontade de enfrentar os shoppings e é verdade, é bom oferecer, mas é hora também para pensar 'será que preciso mesmo oferecer isso, será que a pessoa precisa mesmo disso?'. Não basta basta separar o lixo, reciclar, isso é o mínimo do mínimo. É preciso consumir menos, isso quase ninguém quer.
E um feliz natal para você e família.
Abraço
Quanta lembrança avivada! Era pra eu casar naquela igrejinha de madeira,sabe? Mas o padre de lá descobriu que eu não morava no bairro e não quis me casar ali. Burocracia de igrejas...Pena, porque era a mais discreta que eu conhecia! Vc conheceu a Mira Schendel e o Knut, que moravam ali perto?
Este ano estou fazendo os presentes de natal com minhas mãos. Na realidade, já fiz. Passei o ano crochetando pra família inteira, escondido. Cada um vai levar um presente personalizado junto com uma crônica, as coisas que sei fazer ( mal e mal)...Espero que gostem porque eu gostei muito de fazer!!
Um enorme beijo pra vc e a família!
Allan, você nem imagina o quanto gostei desse seu post-lembrança. Chegou a ser cinematográfico e eu fiquei imaginando algumas cenas. Natal é uma época que eu gosto muito exatamente por pequenas besteirinhas que não importam para ninguém, mas que para nós têm um gostinho especial.
Beijocas carinhosas
Gosto mais de presentear do que ser presenteado, mas gosto mesmo quando sei o que a pessoa gostaria de ganhar, isto nada tem a ver com coisas caras ou sofisticadas.
As preocupações ambientais deveriam ser permanentes, quando adotarmos o consumo responsável, criaremos pressão sobre produtores irresponsáveis.
Meu caro...
(um momento de suspiro)
...
Fiquei emocionada.
Também tive momentos difíceis, mas acho que jamais, quando criança, tive essa benevolente maturidade.
Belas lembranças. As mães são as mais valentes mulheres do mundo.
Em homenagem a você e a sua adorável mãe, no natal vou levar para a casa da Mama couve-flor gratinada.
Um abraço, muito mais luz pra você.
P.S: Esse comentário é para o post Quase Vegetariano, que achei sitado em outro blog, mas aqui não o vi.
Abraços
Alla, o Natal do Faça esta no Meiroca.
Bjs
Até para presentear temos que ter consciência ecológica e devemos preferir reciclados e não-poluentes. Quanto lixo "eterno" é produzido nessa época! Quanto às reminiscências do Natal da infância, quem não as tem?
lindo e lúcido esse post. beijos.
Cara, trabalhei ali perto da tal igrejinha de madeira e entrei lá uma vez pra chorar !!!!! O ônibus que me levava pro trabalho fazia o trajeto da Avenida Nove de Julho e ia em direção à Estátua do Borba Gato, entrava à direita na Américo Brasiliense e eu descia lá embaixo, em frente à padaria ! Cara, hoje moro nos EUA há mais de 20 anos e dou com essa surpresa ao ler seu blog ! Um abraço e feliz 2009. - Lisa
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