Sunday, September 03, 2006

Pantera

Eu sou a madeira, trabalho é besteira o negócio é sambar…”

Nós éramos sócios. Aliás, ele era sócio de todo mundo: “Digaê, sócio! Tudo bem?” Era assim que cumprimentava os amigos. Foi num bar da Tijuca que ele me ensinou a cortar cebola em quatro, jogar sal por cima e comer como acompanhamento da cerveja gelada.

No início era mais dos muitos amigos do meu irmão Dawidson. Depois, acabou como agregado, indo morar em casa. Apesar de ter família e casa, nós o adotamos e ele acabou virando o quinto irmão. Nessa época morávamos em São Paulo e passávamos os fins-de-semana em Ilhabela. Às vezes ele recusava o convite, preferindo ficar em Sampa, alegando preguiça. Nessas ocasiões não era raro encontrá-lo, meia hora depois, na fila da balsa: “Mudei de idéia, sócio.” Ele era assim, de momento.

Tempos depois, fui morar no Embu – ou melhor, voltei – e arrumei um sócio de verdade, o amigo Cláudio, que até hoje mantém a tradição do strudel aos domingos, na feira de artesanato. Depois foi ele quem mudou – também voltou – para o Rio, indo morar com a mãe e a irmã. Anos depois ele se casou; eu, no ano seguinte. Quando fui morar em Salvador ele mudou-se para o Sul e perdemos o contato. Ocasionalmente tinha notícias dele através do meu irmão, mas nunca mais o vi. Tentei localizá-lo antes de vir embora para a Itália, mas nos havíamos perdido.

Todo dia primeiro de maio recordo dele e do refrão da música que ele gostava de cantarolar, achando divertido a coincidência da data. Lembro que uma vez chegamos em casa às cinco da manhã e o encontramos sentado na varanda de bermuda e camiseta, fumando. “Aproveitei que é domingo e acordei mais cedo pra ficar mais tempo sem fazer nada”.

Agosto se foi. Mas deixou no ar a questão do porquê perdemos contato com pessoas que nos são caras, que gostaríamos de ter sempre por perto para dividir nossas alegrias e tristezas. Também foi em em um vinte e oito de agosto de dez anos atrás que tive o acidente que me fez entender ser vulnerável e que a vida é breve. Agosto se foi e levou o susto do avião que passou raspando nosso prédio antes de se espatifar pouco mais adiante. E foi nesse mês de agosto que meu irmão finalmente conseguiu localizar a irmã do Pantera e saber dela que ele se foi, seis anos atrás.

Agosto me deixou a certeza de que a proximidade não evita a realidade da vida, mas nos permite de partilhar nossas experiências com quem nos é importante.

13 comments:

  1. Anonymous3:00 AM

    Sim. É estranho partilharmos tantas coisas com uma pessoa e perdê-la... Mesmo que ela esteja viva e saibamos disso, é como se um pedaço de nós ficasse com ela para sempre.

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  2. Allan,

    Sinto muito. Tem pessoas que marcam a nossa vida. Mesmo que, por rumos diferentes que cada um tome, sempre tem uma boa lembrança que fica. E espero que essas boas lembranças estejam sempre com voce!

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  3. Anonymous9:05 PM

    Que texto bonito! Fiquei até emocionada. Me fez lembrar de uma frase do Vinicius de Moraes: "a vida é a arte do encontro, embora haja tantos desencontros pela vida".

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  4. Anonymous9:13 PM

    Vamos tomar aquela cerveja meu caro, antes que fique choca.

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  5. Post que me fez pensar muito sobre a distância...
    Sinto muito pelo Pantera.

    Um beijo e boa semana para você. Agora já é setembro :)

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  6. Caro Allan, o Pantera continua sempre por perto, vagando de tanto em tanto pelos teus pensamentos. Jà me perdi de tanta gente nesse rodar o mundo, mas muitas vezes reencontro esses caros sentado na minha varanda, com uma cerveja na mao e um cigarro na outra. Quando me baixa o astral, pego as panelas e preparo uma feijoada, ouvindo MPB e tomando caipirinha. Isso me faz estar bem melhor, se quiser tentar acho que mal nao faz. Abraço

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  8. Oi Allan, obrigada pela visita.
    Cheguei ao escritório hoje pela manhã e recebi uma interessante mensagem comparando a vida com uma viagem de trem. Chega um momento que as pessoas que amamos acabam descendo em uma estação antes da nossa, mas outras embarcam. O importante é ter tido a oportunidade de conhece-las e compartilhar um pedaço de caminho. É o que fica de cada uma delas que nos dá a possibilidade de sermos mais humanos.
    Um grande abraço,
    E se pudermos pegar o mesmo trem te convido para uma cerveja no vagão-restaurante ;)

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  9. Allan, esse é um assunto que me causa uma certa aflição. São tantas pessoas importantes em determinadas épocas de nossas vidas e que simplesmente desaparecem devido ao tempo e à distância. No entanto, uma coisa é certa: quando a gente por acaso se encontra, parece que ficamos afastados apenas um dia. O nome disso é amizade. Beijocas

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  10. Anonymous6:18 PM

    Mais uma vez, excelente post, Allan!

    Adoro ler algo e ficar com esse "leve pesar" na alma... essa senação de nostalgia, de dor com alegria... sei lá...

    Boa semana por aí...

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  11. Anonymous3:05 AM

    Beleza de blog, Allan. Enxuto, bem escrito. Parabéns!

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  12. Anonymous2:09 PM

    Que lindo esse texto!!!!! fala de amor sincero, vem do coração,... que texto lindo!!!!!!!

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  13. Anonymous11:53 PM

    Lindo texto, Allan. Agosto também me levou um grande amigo ano passado.

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