Sunday, February 20, 2005

Ajeitando a Economia Italiana

Caros e Caras,
Paz e saúde!

De nada serviu minha intervenção antes advento do euro. Ninguém me deu ouvidos. A Europa estava acostumada a não dar valor às moedas e isso desconsiderado no lançamento da nova moeda nos doze países da área euro. Na realidade, o euro baseou-se no marco alemão, a unidade monetária forte da CEE. Durante anos a Itália valeu-se do artifício de desvalorizar a própria moeda para atrair investimentos e exportar. Um euro corresponde a quase duas mil liras. As moedas italianas que circulavam à época apresentavam valores entre cinqüenta e mil liras, mas ninguém sabia exatamente o que isso representava. Um café custava mil e quatrocentas liras e todos rejeitavam o troco: só fazia volume. Mesmo os apelos do ministro da economia Giulio Tremonti foram ignorados. O euro foi lançado com moedas de diversos valores e sem as notas de um ou dois euros. A menor nota é a de cinco euros.

O hábito de desprezar moedas ajudou na falta de escrúpulos comerciais em ajustar os preços em até mais de cem por cento. A confusão causada pela troca das moedas locais com a adoção de uma moeda única, igualando preços historicamente diferentes, obrigou a uma atenção especial dos governos para adaptar a população à nova realidade. E ninguém considerou o efeito psicológico das moedas. Hoje, um produto que custava cinco mil liras – aproximadamente dois euros e cinqüenta centavos – é vendido por cinco euros.

Como os salários não acompanharam essa matemática, o poder de compra foi reduzido à metade. E quando o consumo cai, a produção obriga empresas a reduzirem custos. Nessa equação, devemos considerar a complicadíssima lei do trabalho italiana, que protege o empregado em qualquer situação. O resultado é que algumas empresas preferem fechar ou transferir a produção para países onde a flexibilidade da mão-de-obra e os baixos salários, ofereçam uma vantagem que não existe mais por aqui. A atual desvalorização do dólar em relação ao euro tem contribuído para a redução das exportações, obrigando empresas e executivos a lidar com uma situação desconhecida pela geração pós guerra.

Uma das saídas para recuperar parte do lucro das empresas, pode ser a redução dos gastos com mão-de-obra. A maioria dos postos de gasolina, por exemplo, oferece serviço self-service vinte e quatro horas por dia, além do serviço tradicional, mesmo quando o posto está fechado. A única contra-indicação é que a redução (ou mesmo eliminação) da mão-de-obra provoca desemprego e queda do poder aquisitivo, com conseqüente redução do consumo. E aí o posto não vai servir para nada. Talvez fosse melhor adotar o exemplo do Japão, que distribuiu incentivos para a aquisição de bens duráveis. Vou pensar melhor.

Um outro serviço self-service que funciona muito bem é o da venda de cigarros. A maioria das tabacarias tem uma máquina que vende cigarros quando o comércio está fechado. O curioso é que esse sistema permite a venda a menores, impedidos de comprar cigarro dentro da tabacaria. Felizmente não oferecem o terrível charuto toscano. Espalhar as tais máquinas nos países de onde partem os clandestinos que desembarcam na Sicília, poderia ser uma forma de iniciar a integração de futuros habitantes. Aliás, o governo italiano poderia cobrar um pedágio aos clandestinos que entram na Europa através da Itália, mas que acabam indo para a França ou Alemanha. O pedágio seria pago pelo país que acolhesse o clandestino, porque mão-de-obra mais barata que clandestino não existe.

Outra colaboração que posso oferecer, é a idéia de globalizar o Festival de San Remo, assim como os baianos fizeram com o Carnaval. A única dificuldade será encontrar um lobista que consiga convencer outros países de que isso é bom.

Algumas cidades, como Florença, cobram pedágio dos ônibus de turistas (daí a minha idéia do pedágio aos clandestinos). Outras, cobram pedágio dos carros de quem não é da cidade: podem poluir, mas têm que pagar. Em pouco tempo, pagar pedágio pelo simples fato de possuir um automóvel não será um absurdo, o que não chega a ser uma má idéia. Mas alguém precisa lembrá-los de que os salários também devem aumentar, ou vai faltar dinheiro para o pedágio, para o carro e para o resto. E quando não tem consumo… o cão morde a cauda.

Falando em automóveis, as medidas de combate à poluição incluem o rodízio de carros, mas os postos de gasolina têm se lamentado. Isso sem considerar as seguradoras, que estão recebendo uma avalanche de protestos solicitando redução dos preços, uma vez que os carros devem ficar parados alguns dias por mês.

Curiosidade: os saldos têm dia certo para começarem. É lei. Em Milão, por exemplo, começam dia seis de janeiro. Uma alternativa seria a de antecipar os saldos para o início da estação, mas isso obrigaria a comerciantes a abrirem mão de uma parte substancial dos próprios ganhos, e eles também precisam viver. O meio-termo seria vender com um preço menor o ano todo, evitando as promoções que oferecem até setenta por cento de desconto. Mas existe o risco que algum espertinho decida fazer promoções sobre os preços já descontados, reiniciando a dança das cadeiras.

Toda essa minha ansiedade na busca por alternativas econômicas viáveis, nasceu de uma notícia local: Um engenheiro recém-formado ganhou um prêmio por oferecer a idéia vencedora num concurso realizado pela prefeitura, buscando melhorar a viabilidade do trânsito em Piacenza. Após uma pesquisa de um mês, o jovem engenheiro provou que o consumo de combustível e do próprio carro, provocado pelas horas paradas em semáforos é maior que no tempo perdido com rotatórias. Demonstrou, ainda, que o trânsito flui melhor nas rotatórias que nos cruzamentos com semáforos. Óbvio que as rotatórias só funcionam onde a educação no trânsito também funciona. As obras já iniciaram. Na saída para Milão que liga Piacenza a um grande supermercado, o semáforo foi substituído por uma rotatória, assim como outros pontos da cidade. O problema é que isso elimina o ganha-pão de muitos clandestinos, pois ninguém para em rotatória para dar esmolas. E como clandestino é parte integrante da economia italiana…

Ciao.

9 comments:

Anonymous said...

Visual novo nos comments!
Sempre bom ler seus posts. Você é um jornalista nato. Quer dizer que descobriram Lucio Costa? ;-)) Aliás, ele tinha coisas bem bacanas. Por exemplo:fez pequenos projetos pra casas legais, de um , dois três quartos, casas fáceis e boas, e vendia em banca de jornal. Qualquer um poderia subir sua própria casa, com correção,sem receio de despencar.
A solução, caro mio, é o comunismo revisitado, uma atualização do marxismo, com a presença de deus, incluindo esses prestadores de serviço que não são operários, nunca terão espírito de classe, entendendo a necessidade intrínseca que o ser humano tem de ser indivíduo e não massa, deixando o caos acontecer, sem ditadura provisória (que sempre vira eterna) , só quatro horas de trabalho por dia está bom, e um salário igual pra todos, um bom salário, que preenchesse as necessidades individuais.. Não seria perfeição, ainda haveria prisões, roubos, violência, pois isso também é humano. Ah.. mas o partido do luxo para todos é o melhor!
Angela

Anonymous said...

Muito bom o seu texto sobre os problemas da economia na Itália desde que se instalou a Zona do Euro. Portugal vivencia os mesmos problemas e o turismo de brasileiros para a Europa anda muito prejudicado desde a criação/adoção da moeda única. Tudo é caro demais e países tradicionalmente interessantes para o turismo da classe média ficaram proibitivos. Mesmo Paris, que nunca foi barata, está bastante inacessível. Os gastos com alimentação são absurdos! Minhas ilusões de ir novamente à Europa em 2005 foram por água abaixo!
Roberto Maxwell
www.robertomaxwell.blogger.com.br

Anonymous said...

Ah, quanto aos carros. A idéia mais revolucionária é... ACABAR COM ELES.

Roberto Maxwell

Claudio Costa said...
This comment has been removed by a blog administrator.
Claudio Costa said...

"A bolsa e a vida" é título de um dos livros do Carlos Drummond de Andrade. Já o Deus Capital e seu Anjo Protetor, o Mercado, nos cobram "a bolsa ou a vida". Aqui no Brasil, com a introdução do Real, foi a mesma coisa. Acostumados com a desvalorizada moeda, desprezamos os centavos de Real. Prá onde foram? Prá bolsa dos banqueiros, para quem só falta cobrar tarifa para usufruirmos das sombras de seus altos edifícios..

Felicia said...

Jura que você tá na Itália? Comecei a ler e a 1. parte do texto descreve exatamente...a Áustria. Puxa, que coisa, hein?

Nora Borges said...

Na Espanha as "rotondas" proliferam por todas as cidades.
Quanto ao Euro ainda não sabem que chegou. Fazem todas as contas em pesetas... até as lojas e imobiliarias oferecem os produtos em pesetas.

Mineiras, Uai! said...

Olá, Allan... andamos meio sumidas, mas é o caos que nos cerca na Terra Brasilis.... Como bem disse o papai, no comment dele, aqui ocorreu a mesma coisa que na Europa, quando resolveram lançar o Real, uma moeda que valia o mesmo que o US Dollar. E de repente todos ficamos e pobres... (Mais que já éramos) Quanto às rotatórias, aqui em BH temos até muitas, principalmente no bairro de Lourdes, algumas poucas no Centro, Funcionários e Savassi. Eu sempre fui do partido de que elas são muito melhor negócio que os sinais, mas nesta cidade cheia de morros e cruzamentos, onde fazer controle de embreagem numa ladeira de 80 graus é coisa normal, creio que o futuro seja mais e mais sinais.... Enfim, fazer o quê? Beijos,
Ana Letícia
http://mineirasuai.blogspot.com

Anonymous said...

Allan, podemos enviar um matutinho ou um faveladinho prá ensinar esse povo nestes causos de mudança de moeda. Depois de tantas mudanças o povo aqui ficou craque nisso.
Por aqui o povo continua fã de viadutos, rotatória não sustenta empreiteira, não ajuda deputado.
E encerrando, Allan prá presidente da Comunidade Européia.
Reginaldo Siqueira singrando.org