Tuesday, January 25, 2005

Minha Pátria, Minha Língua

Caros e Caras,
Paz e saúde!

“As armas e os barões assinalados,
Que da ocidental praia lusitana,
Por mares nunca dantes navegados
Passaram muito além da Tapróbana”.
Não, Tapróbana definitivamente não soa bem e nem rima com “lusitana”. E foi por isso que Camões decidiu mudar a sílaba tônica, transformando em grave uma palavra esdrúxula. Nos poucos dicionários onde ainda é possível encontrar a palavra, ela aparece sem o acento original.

Sempre me espantou o fato de Camões ser visto como o maior escritor da língua portuguesa. Sem considerar a sua estatura, ou a sua capacidade de utilizar-se das figuras de linguagem e da métrica adequadamente (o que não chega a merecer elogios, se vista como pré-requisito para qualquer poeta daquele período), particularmente acho que o nosso Luís foi somente um escritor menos dotado de inspiração, que teve a feliz idéia de um poema épico exaltando as descobertas lusitanas, num momento em que o orgulho do seu povo necessitava de um estandarte cultural para marcar as novas conquistas.

Não é uma obra que mereça ser lida por todos os povos, como o trabalho indiscutível daquele outro escritor, o inglês. Nem tão pouco fez o sucesso como o italiano Dante (ainda que o seu mérito como autor ou tradutor possa ser discutido - mas não na Itália!). O seu poema é lido somente nas salas de aula de Portugal, do Brasil e, provavelmente, dos outros países de língua portuguesa. Provavelmente.

Considero como a verdadeira grande obra do povo português, a difusão da língua por países tão distantes e diferentes entre si. Ainda que com variações às vezes acentuadas, o Brasil é unido sobretudo pela sua língua. Poucos europeus acreditam na inexistência de dialetos no Brasil (às vezes, eu também) . Falar a mesma língua num país tão grande está além da capacidade de compreensão deles.

Num jornal de Pavia (uma cidade da região da Lombardia, próxima a Milão e próxima de Piacenza) uma anciã colocou um anúncio solicitando uma empregada com uma única exigência: falar perfeitamente o dialeto pavês. Em Piacenza, o dialeto local parece francês. Mas é somente aparência, os franceses não entendem lhufas! Nem mesmo os piacentinos mais jovens entendem quando os seus avós conversam animadamente na feira. Ainda hoje encontro pessoas que entendem o meu italiano mas me respondem sempre em dialeto. Não por má vontade, mas por não saber falar o italiano.

Segundo o Ministério do Interior da Itália (www.interno.it), o italiano é a língua oficial do país, falada por 75% da população. Ou seja: dos quase 58 milhões de habitantes, algo como 14,5 milhões de pessoas não falam a língua oficial. Os estrangeiros são 6 milhões, mas uma esmagadora maioria fala italiano. Uma recente pesquisa do Ministério da Educação, levantou que as crianças estrangeiras do ensino fundamental falam e escrevem melhor o italiano que os filhos da terra. Qualquer estrangeiro adulto pode se inscrever num dos muitos cursos para estrangeiros, subsidiados pelas prefeituras. Para as crianças o ensino é obrigatório.

No norte da Itália, seguindo uma orientação do Ministério do Interior, muitos prefeitos estão travando uma quixotesca batalha para mudar os nomes de ruas, praças, escolas e monumentos públicos, escritos originariamente em alemão. Outro fator relevante são os dialetos e a insistência dos mais antigos na manutenção deles como línguas oficiais das cidades ou províncias.

Muito antes do efeito globalização, a televisão ocupou-se em difundir o italiano pelo país. E isso não chegou a assustar ninguém. Mas com a enxurrada de informações e imagens do mundo todo, além da ladainha que decreta à morte qualquer ser humano que não saiba inglês, a insegurança tomou conta de parte da população, que teme a perda da própria cultura. Num país que luta pelo reconhecimento internacional e pela afirmação perante os parceiros europeus como grande nação, a Itália fecha-se em si mesma, procurando no próprio umbigo uma via para o inserimento no cenário internacional de forma mais convincente. O provincianismo italiano sonha com uma globalização de mão única.

Outro efeito negativo do atual acesso e velocidade à informação é a perda do hábito da leitura, numa Europa tão cheia de prêmios Nobel e de livrarias. Isso tem provocado uma superficialidade na interpretação dos fatos e do conhecimento, o que acaba gerando conceitos igualmente equivocados, que também se difundem na mesma velocidade.

Hoje o velho Dante é leitura obrigatória somente nas escolas, como o nosso Camões. Enquanto isso, do outro lado do oceano, nós, brasileiros, vivemos o risco de ver o título de maior escritor da língua portuguesa mudar de mãos, provavelmente transformando-se em medalha a ser pendurada no fardão de um Paulo Coelho (o que não muda muito). No fundo, quem é que sabe onde diabos fica Taprobana?

Ciao.

10 comments:

Anonymous said...

Oi Allan,

Até onde sei a Taprobana é o antigo Ceilao e atual Sri Lanca.
Um abraço,
Gabriela

Claudio Costa said...

Quando estava no "científico", tive de comprar (!) uma edição d'Os Lusíadas. Era um calhamaço (na época, do tamanho do dicionário Aurélio) que tinha de carregar para a sala, nos dias de Literatura. No início, não entendia nada. O professor, entretanto, era tão entusiasmado com Camões, que conseguiu despertar certo interesse nos alunos, acredite. Assim, aliávamos o estudo do épico com a história da expansão do império português (América, África e Índia). Emocionou-nos o episódio da morte e coroação de Inês de Castro, "aquela que depois de morta foi rainha". A grande frustração era a censura ao episódio da Ilha dos Amores: o editor havia suprimido quase todos os versos mais libidinosos - um crime!

Nora Borges said...

Allan, eu também estava com saudades. Seu texto, como sempre, está muito interessante e bem escrito.
Estudei Literatura com a pior professora de todos os tempos. Uma freira que ( aposto!) nem tinha lido os livros que indicava. Assim, o pouco que sei de literatura clássica vio da biblioteca do Lord, assaltava mil vezes pelo Rio Capibaribe.
Paulo Coelho é de matar, desculpe. Acho que se na época das enchentes ele já escrevesse, talvez o rio nem voltasse! Bem... o mais provável é que ele nem estivesse lá no gabinete do Lord!

Anonymous said...

Fiz escola estadual numa época em que era grande a disputa por elas. Eram as melhores. O problema meu com Camões é menos com Camões e mais com a d. Ivete, professora boa e bem intencionada da época que nos fazia decorar os Lusíadas e declamar para a classe. Eu morria de vergonha e passei a odiar o caolho. O método estava errado. Na época o que decorávamos e citávamos fazendo caras e bocas era Drumond e Vinícius, adolescentes e apaixonadas que éramos. Mas Camões, depois de passado o trauma, até que acho razoável.

abraços

maray

Biajoni said...

massa!

Anonymous said...

Allan, Camões é ainda maior poeta nos sonetos que nos "Lusíadas". Sugiro que leia seus sonetos.

José Luiz Fernandes

Anonymous said...

Allan,
É uma complicação comentar aqui, o Blogger é muito chato quanto a isso. Tente um Hallo Scan, sei lá, qualquer coisa boa. (Eufalo isso em todo lugar :S)
Seus textos sempre são maravilhosos, inteligentes. Uma correção apenas: no Brasil há mais de 200 dialetos, apesar de nenhum ter grande expressão.
O português no Brasil é realmente fantástico. Estudiosos o comparam com as origens do português pois há muitas influências culturais como inglês e espanhol, coisa que o português lusitano se afastou um pouco.
Camões tem grandes trabalhos, mas sinceramente não me empolgou muito. Prefiro Olavo Bilac, Florbela Espanca, etc.
Abraços
Diego, Palavreando.com

Anonymous said...

Alla Bom dia...
Sabe, aqui na minha cidade, se eu converso com pessoas de um nivel cultural mais elevado, o discurso flui normalmente, mas se è com pessoas com menos cultura, a conversa nao sai do an? hein? o que vc disse? Tudo por que estas pessoas nao falam o italiano puro, apenas o dialeto.
Outra coisa, acontece com a leitura, eu leio muito, sempre que espero em algum lugar tenho meu livro a meu lado, e a italiana me olha com curiosidade..
hehe e tem gente que diz que Brasil è 3° mundo.
Meire

Anonymous said...

Índios e africanos definitivamente não guardaram suas tradições culturais. Claro que também foram triturados, mas isso é outra conversa. Imigrantes europeus seguraram um pouco suas raízes, nada que mais duas gerações não dizimem. O brasileiro, o da terra, é um povo muito novo, não tem muito o que guardar. Além do mais os que chegam em São Paulo, por exemplo, aprendem logo o sotaque peculiar, quer mais é se integrar. Uma característica negativa? Talvez não. Talvez estejamos mais aptos à globalização. Assim como esse povo quer sempre se integrar, integra os outros povos muito facilmente. Os alemães no RS sentem isso. Estão cada dia mais cariocas, ou melhor ainda, cada dia mais baianos. Abraço Allan.
Reginaldo Siqueira - singrando.org

Leila Silva said...

Allan,
Quer atrair a ira dos professores de Literatura Portuguesa? Brincadeira, todos temos direito a nossas opinioes e esta nem e' infundada.
Pois e', eu tambem sempre vi o povo espantado ao saber que no Brasil falamos 'uma so lingua' (bom, alguns podem nos apedrejar por causa das linguas indigenas!). Mas 'e realmente fato espantoso que a lingua portuguesa tenha se imposto desse modo, eu concordo. Veja, a Belgica, pais minusculo, com tres linguas oficiais e muitas brigas por conta disso.
Abracos