Sunday, January 09, 2005

Lapsus

Caros e Caras,
Paz e saúde!

Ontem, ao voltar do trabalho, …Não! Ontem era sábado e eu não trabalho aos sábados. Ah, sim! Havia ido ao supermercado e começava a preparar o almoço: arroz, bife acebolado, salada e abobrinha recheada ao forno, cardápio decidido pela Luiza, a caçula da família. A enorme porta de vidro entre a cozinha e a varanda deixava passar toda a claridade do dia de sol. Um céu de e o calor dos vinte e quatro graus me convenceram a sair sem camisa à varanda para sentir o clima da manhã deste janeiro ensolarado. Um frio navalha cortou minha pele e fez-me recordar de que estamos no inverno. E eu me surpreendo, mais uma vez, com a capacidade prestidigitadora do cérebro, que nos faz influenciar pelas aparências, desconsiderando as informações disponíveis.

A Itália de hoje vive uma ilusão parecida. O Governo não governa, a oposição não se opõe. É tudo jogo de cena, onde o importante é mandar mensagens aos eleitores e manter aceso o debate. Um político dá uma entrevista e faz um comentário infeliz - é um político, afinal. No dia seguinte todos correm a entrevistar um seu opositor, que rebate a fala do primeiro: pronto! Inicia-se, assim, mais uma semana de acalorada discussão, com outros políticos que entram no debate televisivo meio a conta-gotas, mas que mantém a atenção da população àquilo que deveria ser um democrático exercício de confronto de idéias. O problema é que nada se resolve. Extingue-se no ar como um redemoinho de vento sem levar a conclusão alguma e, não raro, o tema tratado muda e ninguém se dá conta. O espetáculo é mais importante que o enredo e todos acabam satisfeitos. Políticos e eleitores.

Há algum tempo foi sugerido que se estendesse também aos estrangeiros o direito às casas populares. Trata-se de casas que o governo constrói e aluga a preços menores (teoricamente) à população de baixa renda. O aluguel pode ser herdado pelos filhos. Como não poderia deixar de ser, foram entrevistar o líder de extrema-direita Umberto Bossi, que respondeu: “…Então o sujeito trabalha a vida inteira e nós damos a casa ao primeiro Bingo-Bongo que aparece?” No dia seguinte, tentando esclarecer (os esclarecimentos são feitos sempre no dia seguinte, para garantir a audiência nos próximos capítulos da novela) Bossi explicava: “quando eu era criança, Bingo-Bongo era um negrinho que sorria sempre, não importando o que lhe fizessem: você dava um soco e o derrubava, ele levantava e continuava a sorrir.” Bossi é assim: quando tenta consertar uma besteira, costuma afundar nela até o pescoço. Tem estado calado nesse último ano, mas assim que a saúde lhe permitir, voltará à carga. Menos mal, pois as polêmicas atuais não têm a mesma graça.

A coisa funciona desse modo: o político escolhe uma bandeira, um slogan e o defende com unhas e dentes. A imprensa faz a cobertura necessária e vende a imagem escolhida. As pessoas comuns discutem e tomam partido – não importa se contra ou a favor, o que conta é participar do jogo – esquecendo-se de que poderiam usar o tempo para algo mais útil, como um curso de culinária, por exemplo. Nem interessa se o político realmente acredita nas próprias sandices, basta polemizar. O transe coletivo se aproxima da catarse só encontrada em dias de futebol.

O senhor Calisto Tanzi também teve um branco de memória: esqueceu-se do que fez com o dinheiro de milhares de pequenos investidores que confiaram na empresa fundada e dirigida por ele, a Parmalat. Não seria tão grave para quem não tem ações da empresa, mas a crise interferiu também nas outras empresas subsidiárias ou coligadas, o que obrigou o time do Parma a vender os melhores jogadores para tentar sobreviver. Tal ação modificou a formação dos outros clubes, modificando o resultado final do atual campeonato. E futebol é coisa séria neste país. O futebol de alguns times grandes tomou o mesmo rumo do dinheiro dos Tanzi: Sumiu!

Querem outra? Parece que alguém esqueceu de acionar o botão na posição “automático” e as operações podiam ser feitas somente com o controle manual, que na realidade servia somente para as simulações dos inúmeros testes. Também neste caso não seria um problema, bastaria acionar o tal botão e a coisa começaria a funcionar. Mas ninguém se dispôs a ir a Marte para apertar o botão do incomunicável Beagle 2. Mas não contem a ninguém, esta é uma informação reservada. Não faz mal, ninguém mais lembra do abandonado Beagle 2.

Marco, um amigo (eu o chamo de miudinho), conta que às vezes esquece de ter jantado e janta outra vez. Ou, na dúvida, prefere não arriscar: “por segurança”, diz ele. Conta que teve muito trabalho para atingir os atuais cento e cinquenta quilos e não pode vacilar. As pessoas procuram desviar-se da balança neste período pós festas: Santa Luzia, Natal, Santo Stefano, Fim de ano e Befana, sempre com muita comida e muito doce. Todos os anos são centenas de novidades em panetones e pandoros. E todos devem provar de tudo. No caso do meu amigo, a balança é que desvia dele.

Sabem aquele músico brasileiro famoso que em uma entrevista conta ter feito uma turnê na Europa? Pois é! …Esteve no Festival de San Remo e tem vergonha de contar. O diretor da Rai 1, proprietária e produtora do evento, já anunciou a edição deste ano. Como em todos os anos, os artistas são convidados, que por sua vez podem levar convidados para dividir o palco (Roberto Carlos e Sergio Endrigo em 68, por exemplo, ou Carlinhos Brown e Jovanotti, numa parceria mais recente). O apresentador não será Pippo Baudo, que participou de quase todas as edições anteriores, nem Simona Ventura, a loira da voz estridente (esganiçada) e vestidos dourados três números menor, mas o chato do Paolo Bonolis, para combinar o chatíssimo festival. O tititi em torno dos que irão participar já começou, apesar de em 2003 terem provado que a colocação dos participantes depende exclusivamente do jabá pago aos produtores. Dois anos é um tempo superior à memória da população e o assunto foi esquecido. Um dos convidados estrangeiros do ano passado (que não concorrem) foi Moris Albert. Lembram dele?

Que coisa! Comecei esta carta porque tinha uma coisa interessante para contar e não consigo lembrar o que era. Mas termino contando que o cardápio escolhido para o jantar foi cachorro-quente com Coca-cola. Aliás, como refrigerante é um produto raríssimo nesta casa, Luiza optou por trazer uma lata de Fanta e outra de Sprite, além da própria Coca: “eu não lembro do que eu gosto”, justificou. Mas não contem aos meus amigos italianos que comemos cachorro-quente, eles ficariam horrorizados. Já se esqueceram da época em que os Bingo-Bongos eram eles.

Ciao.

7 comments:

Leila Silva said...

Allan,
E as abobrinhas recheadas? Estou aqui com agua na boca e vc mudou o rumo...Mudou o rumo mas continuou otimo, sem perder a redea, como sempre. Muito bem lembrado, os italianos se esqueceram de que tb ja foram isso ai, Bingo Bongo(?)...Mas nao sao os unicos a se esquecerem. Diz o ditado popular que e' a ocasiao que faz o ladrao, nao e'? Espero que nao, mas ha preconceito em todo lugar, infelizmente...

Anonymous said...

Clap! Clap! Clap!

Loura, voz esganiçada, vestida de dourado , roupa pequena? Ué? todas as apresentadoras italianas são assim!
Aqui, costumo zapear pela RAI, e vejo aqueles rostos deslumbrantes, quando ainda não estão com os lábios siliconados, nos corpos magros préfabricados. O que me espanta mais, pois não entendo, é o concurso de Miss, pois sãomuitas! Trocentas! e todas iguais, com voz esganiçada.

Não sei qual músico.. esqueci. Mas hoje é dia de suflê de batata. Lançamento de verão ;-)) Deve ficar bom. é a primeira vez que faço.

AQUI, o prefeito eleito , como continuísmo, sob os votos e apoio do prefeito anterior, já começou no discurso de posse a falar mal do anterior.

Como diz a canção.. a gente vai levando, a gente vai levando..

Angela

Anonymous said...

Músico que fez turnê na Europa e se esquece de comentar que participou do festival de San Remo?
...É! Conheço bem essa história.
Abração,
Lenine

Rafael Galvão said...

Eu ia fazer um grande elogio a este post, mas esqueci qual era...

Claudio Costa said...

O título do post é bem freudiano (rsrsrs). O que os políticos fazem é, quase sempre, inventar falsos dilemas para divertir (no sentido de "tirar do caminho") o populacho (mistura de povo com capacho). E a gente, às vezes, fica igualzin o bingo-bongo... êpa!

Anonymous said...

Allan,
Não posso lamentar-me desse tipo de saudades. Aqui no Brasil a política caminha de forma idêntica, onde a entonação do discurso é mais importante que o conteúdo. E todo mundo aplaude.
Abração,
Diogo.

Anonymous said...

"Extingue-se no ar como um redemoinho de vento sem levar a conclusão alguma e, não raro, o tema tratado muda e ninguém se dá conta. O espetáculo é mais importante que o enredo e todos acabam satisfeitos."

E não é quase sempre desse jeito que acontece quando um grupo de pessoas resolve discutir algum assunto, sobretudo quando pensam que estão debatendo algo sério?

Ah, as abobrinhas ficaram gostosas? Eu adoro abobrinha.

Parabéns pelo texto. ;)

Um abraço,

Mônica.