Sunday, December 12, 2004

Preocupações Italianas

Caros e Caras,
Paz e saúde!

Tramita há mais de um ano no parlamento russo um projeto que permite a venda de partes da floresta russa aos cidadãos civis. Uma das leis da revolução bolchevique proibia a propriedade privada. De acordo com o texto da antiga lei, todo pedaço de terra pertencia ao povo. Quer dizer, ao governo do povo. Quer dizer, poderia ser usufruído somente pelos poucos do povo que representavam o governo. Quer dizer… Deixa pra lá!

A Rússia é quase toda coberta por florestas. É o segundo maior aglomerado vegetal do mundo, perdendo somente para a Amazônia. Segundo o projeto, será possível adquirir lotes de floresta para projetos de divertimento e lazer. Como o texto peca por clareza de informações (além de pecar pela própria idealização) ganho a liberdade para imaginar enormes parques temáticos. Algo como “Indiana Jones na Selva Gelada”. Durante o verão, quando a temperatura permitir, os riscos de incêndios de proporções catastróficas serão multiplicados com os previsíveis churrascos de beterrabas, batatas e outros vegetais (repolho cresce até sob a neve!), regados por vodka caseira. E a única revista italiana que comentou o fato, o fez sem o habitual alarde usado para falar dos abusos na nossa (nossa!) floresta tropical. Apenas noticiou o fato sem destaque.

A mesma Rússia informa que o progresso do país é mais importante que o Tratado de Kioto e que, portanto, não tem intenção de cumpri-lo. Trata-se daquele tratado que estabelecia limites para emissão de poluentes, com o simples objetivo de salvar o planeta e que ninguém leva a sério. A desculpa do progresso parece estar contaminando tudo. Basta dar uma olhada nas parcerias de madeireiros internacionais com os índios fazendeiros dentro das reservas brasileiras.

Esses são fatos que realmente preocupam muito os italianos. Licia Colò, apresentadora de programas ecológicos na tv italiana, afirma que precisamos sair da posição de espectadores passivos e fazer algo para salvar o que resta da “nossa” (sic) Amazônia. Mas esquece de dizer que não fazemos nada para recuperar as florestas temperadas da Europa, dizimadas em nome do mesmo progresso. Nem se recorda, tampouco, de esclarecer que se países como a Itália e Estados Unidos eliminassem os subsídios agrícolas (desviando os recursos para a reconstrução e manutenção das florestas deles, por exemplo), países como o Brasil e Nigéria teriam uma qualidade de vida melhor que a atual. Só para lembrar: uma tonelada de açucar de cana tem custo de produção de cerca de 160 dólares. Uma tonelada de açucar de beterraba, cerca de 600. No entanto, ambas são vendidas no mercado internacional por 200 dólares. A diferença (incluindo os lucros dos produtores europeus) é composta de subsídios oferecidos pelos governos.

Outro fato que contribui para a insônia coletiva italiana é a situação da educação feminina em Kabul. Muito está-se fazendo para recuperar o tempo perdido, no que diz respeito à liberdade da mulher, usurpada durante o regime talibã. Mas o problema é que em Kabul falta tudo, principalmente a estrutura física. Faltam prédios. Falta uma riqueza a ser explorada, como o petróleo, por exemplo. E, neste caso, falta também o apoio internacional para a reconstrução do país. A mesma falta de apoio de que sofrem os agricultores no interior da Sicília, que há anos solicitam obras para reduzir o drama da falta d’água no verão. A mesma falta de apoio que irá obrigar diversos vilarejos a atravessar mais um inverno morando em containers (alguns há mais de trinta anos!), vítimas de terremotos em regiões frias da Itália.

A notícia que mais agradou os italianos este ano? A prisão de Sadam Hussein. Líder de um povo habituado à luta, sob quem reinava a suspeita de manipular tudo em seu país, fraudando, inclusive, as eleições. Risco constante a outros países, comandante de ações assassinas e de experiências com armas químicas. Transgressor da ecologia e dos direitos humanos. Pessoa vil, que manipulava a mídia para vender uma imagem de salvador enquanto massacrava quem quer que se opusesse a suas idéias. Os italianos já o julgaram e condenaram: uma pessoa assim merece a morte! Para transformar-se no próprio diabo, falta só o chapéu de cowboy que tanto fascina esse povo.

Uma notícia anterior, requentada, era a enorme desilusão dos italianos com a falência momentânea da proposta para uma constituição comum européia. A má vontade dos diversos governantes ficou tão latente à época, que quase ninguém comentou a saída de Alessandra Mussolini (não, o sobrenome não é coincidência não) da Aliança Nacional, base parlamentar que sustenta o atual governo italiano, afirmando que iria fundar um novo partido por discordar do então vice primeiro-ministro Gianfranco Fini.

Mais? O futuro de Cuba pós Fidel Castro. A situação econômica da Argentina. A falta de estrutura do turismo mundial para atender a demanda de duzentos e setenta milhões de chineses, catapultados à condição de classe média disposta a viajar. A onda anti-semita na Europa graças a Sharon, visto como uma eterna ameaça à paz. A volta da vaca-louca na Inglaterra e da Sars na China, apesar de ninguém comentar o problema da Aids, que, segundo o Ministério da Saúde, continua contaminando uma média de dez pessoas por dia na Itália. Não existe nenhuma campanha, nenhum tipo de informação. Nada. O destino da Palestina sem Arafat e sob a pressão de Israel e Estados Unidos. A luta pelo poder no resto da Europa, decidida a goles de venenos ou com o velho hábito de tentar ganhar no grito. Tantas as preocupações dos italianos neste ano que está por terminar. Resta a expectativa pelos novos fatos.

Curiosa a capacidade humana de resolver os problemas alheios. Talvez por isso o mundo esteja tão cheio de consultores.

Alguém aí falou em pizza?

Ciao.

1 comment:

Anonymous said...

Pizza!

Abração,
Diogo