Wednesday, October 20, 2004

Make Love!

Caros e Caras,
Paz e saúde!

No início dos anos setenta (ou final dos anos sessenta) surgiu na Argentina um movimento pacifista chamado siloismo. Silo, o seu fundador, batizou a organização de “A Comunidade”. Era (ou é) uma associação não religiosa e apolítica. Um dos seus princípios alertava: “Quando você força algo para um fim, o efeito será o oposto”. Não, não é um corolário da Lei de Murphy. Está muito mais para aquela famosa lei da física sobre ação e reação. A máxima siloista era representada por uma tira em quadrinhos que mostrava um homem tentando puxar um burrico que teimava em não se mover, até que, cansado, o sujeito dava de ombros e ia embora. E então o burrico o seguia.

Além da mensagem de paz que A Comunidade pregava, achei oportuno lembrar da orientação de Silo e sugerir uma mudança na nossa atitude em relação ao conflito no Iraque. Quem sabe se todos começarmos a gritar em favor da guerra Mr. Bush não decide fazer exatamente o contrário? (Associar a imagem do presidente – deles – com algum dos personagens acima não era proposital nem obrigatório, mas foi inevitável.)

As TVs italianas acabaram: agora só existe a guerra. Os telejornais que duravam meia hora foram inchados com até uma hora a mais. Os talk shows têm um único assunto e minhas filhas reclamam que os desenhos são interrompidos por flashes ao vivo de Bagdad ou de qualquer outra cidade do conflito. Só os eventos esportivos são respeitados. O Auditel, que mede a audiência das TVs, divulgou que o índice dos telejornais está se reduzindo a pó. Somente uma rede evitou usar as expressões “aliados”, “forças de coalizão”, “aliança ocidental” e “terroristas”. Também foi a única que desde o início vem informando sobre a dura resistência iraquiana.

As reações são as mais diversas. A grande maioria finge normalidade. Vão à discoteca, saem para restaurantes, cinemas, bares, gozando todas as oportunidades para divertir-se. Evitam assistir os telejornais. Bastaria uma olhada no Mapa Mundi para entender que entre Bagdad e os EUA estamos nós, na Europa. E que seria menos difícil uma ação militar (suicida ou não) contra um membro europeu da “Aliança”, como ficou provado no ataque às estações na Espanha. As autoridades italianas juram não existir riscos. Os americanos, antes do 11 de Setembro, também.

Uma parte da população tem se organizado e promovido passeatas, greves de fome e manifestações que pedem o fim da guerra. Em todos os eventos comparecem com bandeiras com as cores do arco-íris, símbolo da paz. Reclamam que a ONU jamais adotou ou adotaria contra os EUA, as mesmas atitudes que tem utilizado com os países periféricos, apesar dos americanos se recusarem a cumprir todo e qualquer acordo sobre armas (químicas, nucleares ou de qualquer outro tipo). Não obstante o que ocorreu em Iroshima, no Afeganistão e em todas as outras invasões e contravenções americanas em similares eventos macabros, eles continuam decidindo o que é melhor para o mundo.

As pessoas querem protestar mas sentem-se impotentes. Assim, continuam frequentando os MacDonald’s e Blockbusters, enquanto as vendas dos automóveis Ford só aumentam na Europa. O argumento defendido por todos é que devemos ser contra a guerra e evitar o anti-americanismo. É óbvio que parte do povo americano não pode ser acusado de nada, mas não consigo esquecer que eles permitiram a manipulação das eleições, o que nos proporcionou um maluco no controle do joystick mais perigoso do planeta. Creio que um pouco de desemprego e recessão não lhes faria mal, mesmo ciente da nossa submissão à economia deles. Quem sabe se devendo preocupar-se com o próprio umbigo eles deixem de lembrar o desenho do Pink e o Cérebro, que tentavam dominar o mundo e divertiam minhas filhas nas manhãs de domingo.

A indecisão do povo italiano é alimentada pelo primeiro-ministro Silvio Berlusconi, que mantem-se rigorosamente em cima do muro sobre o assunto. Na última viagem de beija-mão aos EUA, Berlusconi afirmou ser a Itália o maior aliado dos americanos, pois permitiu o uso das inúmeras bases militares americanas em solo italiano durante as invasões no Afeganistão e Iraque. Nas TVs locais, não se cansa de afirmar que a Itália não está em guerra contra o Iraque, mas evita comentar que enviou soldados italianos para o Afeganistão, para liberar parte das tropas americanas transferidas a Bagdá, além de mandar soldados italianos à cidade de Nassirya, no Iraque. E tampouco lembra de comentar o convite feito aos representantes diplomáticos iraquianos para que a retornassem à casa, a pedido de Bush, antes mesmo da guerra começar.

Silo, assim como muitos líderes políticos e religiosos, pedia aos seus seguidores que fossem à rua para divulgar a mensagem da organização fundada por ele e conquistar novos participantes à causa. Dono de um otimismo e sorrisos contagiantes, ele realmente acreditava na difusão das suas idéias. E solicitava a quem não tivesse a mesma determinação que permanecesse apenas como simpatizante, evitando ocupar cargos ativos no movimento, pois acreditava na capacidade de entusiasmar-se e de entusiamar aos outros como prerrogativa fundamental à transformação do mundo.

A certeza de que a opinião europeia não irá mudar os destinos desta guerra, além da falta de uma tomada de posição clara por parte do governo, faz com que o italiano se torne apático. Parece-se com o passageiro do trem que observa pela janela: ele está parado e a paisagem é que se move.

Talvez fosse o caso de alguém informá-lo que o trem vai numa velocidade absurda; que os trilhos sob as rodas desapareceram. E que o maquinista é um psicopata surdo.


Ciao.

3 comments:

Anonymous said...

Muito boa a sua observação! Infelizmente os EUA estão ajudando a destruir todos os conceitos positivos que eles mesmos construiram. Liberdade, democracia e multiplicidade de raças e credos convivendo pacificamente, começam a ser questionados por outros povos. As coisas erammelhores quando eram piores!
Abraços,
Lenine

Anonymous said...

Olá, legal você ter ido ao meu blog, é uma coisa mais caseira, não tenho muito como ficar atualizando, já vejo seu blog faz um tampão, só que pertenço a turma dos mudinhos que preferem não fazer coments,rsrsrs.
Ainda não ui para a Italia, meu filho ficou doente e adiei para dia 06/11, creio em Deus que tudo dará certo, tem a dificuldade do começo, mas muita força de batalhar.
Um abraço,
Anaí Tobias

Leila Silva said...

Allan,

A coisa ai estah fervendo entao...o pior e' que o Bush deve ganhar de novo (quer dizer, da outra vez ele nao ganhou, ne?)e, pior ainda, se o Kerry ganhar nos vamos descobrir que nao ha diferenca essencial entre os dois. Triste!

Vc me perguntou sobre a populacao de Buenos Aires, 'e como vc disse 3 milhoes a da cidade mesmo e, mais ou menos 11 milhoes a da grande Buenos Aires.
Abracos
Leila
http://cadernos-da-belgica.blogspot.com