Thursday, July 15, 2004

Preconceitos II

Preconceitos II

Caros e Caras,
Paz e saúde!

Numa das cartas anteriores resolvi provocar um pouco e falei de racismo. Descobri que tem peixe grande nessas águas.

Um grande e velho amigo respondeu à provocação. Reproduzo, abaixo, o texto integral.

Caro Allan:

Numa visão um pouco mais (esquivada) - notou que vai até entre parênteses? - da questão do preconceito, seja racial ou não, a verdade crua é bem incômoda. Razões antropológicas, ligadas à defesa e, mais além, à sobrevivência, induzem o ser humano a estabelecer padrões de reconhecimento que se traduzem no básico "é bom, é ruim, é indiferente" - o que explica um pouco o preconceito de qualquer tipo. O negro, segundo estudos, é um elemento rapidamente identificado (isto é, a cor negra da pele é uma das primeiras características notadas pelas pessoas), talvez por motivos que devem se esconder no emaranhado de informações do DNA. Negros, geralmente, produzem odor mais forte e isso me parece provocar os cães com mais intensidade.

(Fatos traumáticos tornaram-se assustadores pela freqüência em que ocorreram ao longo de eras de evolução humana - principalmente, acredito, naquelas em que as mudanças se fizeram em um prazo mais curto. Tais fatos, de alguma maneira, ficaram impregnados nos nossos genes, formando arquétipos, definindo comportamentos, e até moldando-nos fisicamente).

O racismo, paradoxalmente, no meu modo de ver, acontece pela tentativa de não admitirmos o fato de que não gostamos de pessoas diferentes, mesmo que isso relacione-se com questões tão primitivas quanto gostar de sexo. Por falar nisso, outros estudos concluíram que as pessoas tendem a se interessar por alguém que tenha semelhança com seus traços. Isso me parece mais comportamental do que primitivo, já que a evolução se beneficia da combinação de características.

Outro fato a ser notado é o impulso de controlar territórios e grupos. Muitas outras espécies de animais apresentam essa característica claramente ligada à promoção da evolução e da sobrevivência. Disso deriva uma enormidade de males, desde a inveja, o ciúme, a ganância, a intolerância até toda sorte de perversidades elaboradas e cometidas pelos que podem (os que não podem mantêm esses impulsos latentes e/ou minimizados, restringindo-os a um micro território). Bem vou dar como exceção os monges em estágio avançado de intimidade com o nirvana. A palavra males, aqui, não está apropriada, já que a justificativa para ações desse tipo é que elas são manifestações dos genes primitivos pertencentes à raça humana e, portanto, não seria mal nem bem.

Só que deixar fluir todos os impulsos primitivos seria muito aliviador, por um algum tempo, mas tornaria a vida social impraticável (para acomodar todo o mundo, todo mundo precisa ceder um pouco). Daí que a moral deve prevalecer por uma questão prática de sobrevivência coletiva. O importante é que os impulsos primitivos continuam existido e, ignorá-los, vai dificultar o entendimento dos atos daqueles que querem jogar o jogo, mas por regras próprias.

Abraço,


Cássio

******************

Pois é…!

A história da Europa nasce a partir das relações de diversos povos, conquistadores e conquistados, que contribuíram a essa formação com a própria cultura. A Itália, então, nem se fala! Basta lembrar que a máfia foi formada a partir das relações familiares, pelos árabes muçulmanos que dominaram a zona rural da Sicília séculos atrás.

Recordo que a história do Brasil é formada de uma diversificação ainda maior. E não me refiro somente às tradicionais visitas brancas às senzalas.

O intenso intercâmbio de experiências e culturas é, na realidade, a aplicação voluntária e (nem sempre) inconsciente das leis naturais que determinam a sobrevivência das espécies. Ou, pelo menos, a regra básica para uma boa feijoada.

Ciao.

7 comments:

Leila Silva said...

Allan,

Pois e', o racismo e assunto para muitos posts, ne?
Agradeco muitissimo o link para os meus cadernos...muita generosidade sua para com essa incompetente blogueira.

Abracos Leila

Anonymous said...

Allan,
Aos poucos vamos lhe conhecendo: Você é casado, tem (duas?) filhas, gosta de fumar charuto, comer e beber bem. Tem amigos inteligentes e articulados, portanto, você também é muito inteligente e articulado. Leva uma vida relativamente dura (diria: não fácil), mas, apesar de tudo, leva a vida com bom humor e savoir fare. Você é uma daquelas pessoas que farão muita falta, um dia.
Continue escrevendo.
Luis Becker
Ps - glutão e pau d'água, se preferir.

Claudio Costa said...

Allan, receber sua visita e comentário no PrasCabeças foi uma oportunidade para conhecer "você" pelo seu blog (se isto for possível, esta associação blog=quem o escreve!). Gostei muito de "Carta da Itália". Tanto, que já o coloquei na barra de links preferidos. Quem me visita, agora, já tem seu endereço prontim, prontim, na coluna da esquerda.

Anonymous said...

Allan, seu amigo Cássio tem razão: essa questão de preconceito é bem complicada. As vezes nos surpreendemos com atitudes preconceituosas não só das outras pessoas, mas de nós mesmos, que nos acreditamos sem preconceitos. A receita do texto anterior eu ainda não conhecia. Provei-a ontem e adorei! Vou visitá-lo mais vezes. Obrigada.
Abraços, Miriam Pessoa.

Anonymous said...

Allan, hoje mesmo falei de preconceito lá no Dois Lados... Esse é um tema que surpreende, porque embora muito se discuta, ele continua presente... É mesmo uma pena.

Abraços,

ninha - http://www.doislados.blogger.com.br

Márcia Maia said...

Esse assunto dá pano pras mangas. E nem tudo é tão 'científico' como seu amigo Cássio diz.

Ah, gostei dos aspargos. ;)

leti said...

Oi Allan, tudo bem?

Também moro na Italia (alias, onde voce mora?) e também sofro na pele o preconceito por ser mulher e brasileira ao mesmo tempo (e olha que eu sou branca). Mas depois de um tempo morando aqui acho que entendi mais ou menos como funciona a coisa, e no final das contas resolvi deixar pra la.

Porque pra mim preconceito é estatistica. TUDO que é perrengue aqui na Umbria é culpa de albaneses e marroquinos. Meu namorado tem uma oficina e quase todos os funcionarios sao marroquinos, e sao todos uns asnos, sujos, e desonestos - do tipo que se jogam na frente do carro do cliente e depois vai pro hospital fingir que se machucou, pra tirar licença do INPS e ainda por cima ganhar grana da companhia de seguros. Os exemplos sao poucos e teoricamente insuficientes pra julgar o comportamento de uma populaçao inteira, mas é absolutamente inevitavel pensar com meus botoes "fica esperta!" quando vejo um albanes ou marroquino na rua. Porque, estatisticamente, é mais facil um albanes ou marroquino me assaltar do que um italiano.

A mesma coisa acontece com nos, brasileiras. A imagem que o nosso pais vende é a das bundas. Pro resto do mundo inteiro so chegam as bundas brasileiras. Da' pra achar que o estrangeiro médio sabe que ha algo além de bundas no Brasil? Se a imensa maioria das brasileiras que um italiano conhece é piranha caça-gringo, classe Z menos, mulata, vulgar, rebolativa, incapaz de aprender a lingua italiana, com nomes bizarros (e aqui tenho como exemplo vivo minha vizinha de porta, Suely Maria), é LOGICO que quando eu digo que sou brasileira todo mundo estranha e pergunta como é que eu sou tao branquinha, pergunta se eu conheci o meu namorado na praia, no Brasil, pergunta se eu vim pra ca procurar emprego, pergunta se eu sei sambar. Esse tipo de coisa nao me irrita mais. O italiano preconceituoso nao me irrita, porque nao é culpa dele se 99% das brasileiras no exterior E' MESMO piranha caça-gringo, a piranha caça-gringo nao me irrita porque se ela tivesse melhores oportunidades no seu pais duvido que se despencaria pra ca, coitada, ela so age no seu interesse e nao é disseminadora de preconceito voluntariamente. O que me irrita é a incapacidade que o Brasil tem de andar pra frente, de evitar que esse tipo de situaçao exista. Um pais digno e que da vidas decentes aos seus cidadaos nao os obriga a passar por esse tipo de coisa. Cansei de responder que nao, nao sei sambar, nao, nao vim procurar emprego porque sou médica e a médicos nao falta emprego nem na Lua, nao, nao conheci meu namorado na praia mas aqui em Assis onde vim passar férias depois de estudar italiano por tres anos, nao, ele nao me salvou da prostituiçao. Cansei, mas nao significa que isso me irrite. Eu entendo. Respondo com calma e paciencia e tento educar meu interlocutor quanto à diversidade de classes sociais no meu pais. Nem sempre funciona, mas a gente fazemos o que podemos, né nao?

http://www.pacamanca.com