O voto é uma conquista democrática. Existem exceções, mas na maioria dos casos é assim. O povo escolhe os seus representantes, aqueles que decidirão o futuro da coletividade. (Nunca havia escrito tanta besteira junta em um parágrafo tão curto. Ou já…?)
Nos dias 13 e 14 de abril de 2008 serão eleitos os novos representantes do povo, aqueles que decidirão o futuro da coletividade. O governo de Romano Prodi, 69, caiu e um novo governo terá a responsabilidade de tirar a Itália do atoleiro em que se meteu desde que o euro foi implantado. Muito provavelmente a classe política estará olhando de longe, enquanto a coletividade estará patinando na lama, exaurindo inutilmente as próprias forças rumo a uma recessão inevitável.
O mandato de Prodi começou há dois anos e deveria durar outros três. Todos esperávamos uma guinada na economia e nem mesmo a vitória no último campeonato mundial de futebol serviu para criar o esperado clima de otimismo. Prepotente, Prodi não soube capitalizar os poucos acertos do seu mandato como primeiro-ministro e perdeu-se no debate político, tentando manter a enorme e frágil coalizão montada para garantir a sua eleição. Nos dois últimos anos as principais propostas do governo só passaram pelo parlamento contando com os votos dos Senadores Vitalícios, que não foram eleitos pelo povo. Cada presidente da República pode nomear até cinco senadores vitalícios; além disso, legislação italiana transforma automaticamente em senador vitalício todo ex-presidente ao fim do mandato ou em caso de demissão. Atualmente são sete os Senadores Vitalícios:
- Sergio Pininfarina nasceu em Turim em 1926. Engenheiro mecânico, herdou do pai a empresa de carrocerias e design. Foi presidente da Cofindustria, a federação italiana das indústrias e foi nomeado Senador Vitalício em 2005, pelo então presidente Carlo Azeglio Ciampi.
- Emilio Colombo nasceu em Potenza em 1920. Foi o mais jovem membro do parlamento constituinte em 1946, então com 26 anos. Foi ministro da agricultura, ministro do comércio exterior, ministro do tesouro, das finanças, da indústria, do exterior e primeiro-ministro. Em 1977 foi eleito Presidente do Parlamento Europeu. Candidatou-se ao senado mas não foi eleito. Foi nomeado Senador Vitalício em 2003 pelo então presidente Carlo Azeglio Ciampi. No mesmo ano, acabou sob investigação numa operação sobre drogas e prostituição. Admitiu aos magistrados ser consumidor de cocaína, alegando uso terapêutico.
- Rita Levi Montalcini nasceu em Turim em 1909. Em 1986 recebeu o Nobel de Medicina. Cientista com diversas publicações, por ser judia, foi constrita a emigrar para a Bélgica pelas leis raciais do regime fascista. Com a invasão da Bélgica, voltou para Turim e depois transferiu-se para os Estados Unidos, onde prosseguiu suas pesquisas no departamento de zoologia da Washington University, Missouri. De 1961 a 1969 dirigiu o Centro de Pesquisas de Neurobiologia, em Roma e participa de diversos centros de pesquisa Nos Estados Unidos, Itália, Suécia e Israel. Foi nomeada Senadora Vitalícia em 2001 pelo então presidente Carlo Azeglio Ciampi.
- Giulio Andreotti nasceu em Roma em 1919. Estadista, político, escritor e jornalista, Esteve no centro da cena política italiana durante toda a segunda metade do século XX, ocupou quase todos os ministérios e foi primeiro-ministro sete vezes. Sua vida também é marcada por acusações de ligações com a Máfia, o que gerou uma infinita coleção de processos. Foi nomeado Senador Vitalício em 1991 pelo então presidente Francesco Cossiga.
- Francesco Cossiga nasceu em Sássari, na Sardenha em 1928. O jurista Cossiga já foi tudo no ambiente político italiano. De deputado a primeiro-ministro, de ministro a presidente. Foi investigado pelo Parlamento italiano por diversas declarações infundadas. Durante o sequestro de Aldo Moro, m0ontou duas comissões de crise. Uma oficial e outra que ele chamou de “restrita”. Após constatar a fuga de notícias que informavam as Brigadas Vermelhas sobre as decisões da comissão restrita, o especialista americano Steve Pieczenik foi afastando um a um dos outros membros, até que restaram apenas o próprio Pieczenik e Cossiga, mas a fuga de notícias continuou. Assumiu o cargo de Senador Vitalício em 1992, após a sua demissão como presidente da república.
- Oscar Luigi Sacalfaro nasceu em Novara em 1918. Ex-magistrado, ex-ministro de diversas pastas, ex-presidente da câmara dos deputados, ex-presidente do senado, ex-primeiro-ministro, ex-presidente da república, acumula mais de 50 anos de vida política, com muitos altos e baixos. Foi o único presidente a não nomear nenhum Senador Vitalício. Antifascista e anti-comunista, Scalfaro protagonizou a mais controverso mandato presidencial, contando com o apoio dos partidos que sobreviveram a uma intensa investigação sobre corrupção. Assumiu o cargo de Senador Vitalício em 1999, após cumprir o mandato de presidente.
- Carlo Azeglio Ciampi nasceu em Livorno em 1920. Foi Governador da Banca d’Italia, primeiro-ministro, ministro do tesouro e presidente da república. Combativo durante a II Guerra, recusou-se a aderir à República de Saló e refugiou-se na região de Abruzzo. De onde partiu com outros 60 homens numa empreitada perigosa em meio à neve alta e ao frio polar para chegar a Bari, em 1944, para integrar-se ao renascido exército italiano. Durante o seu mandato como presidente, revitalizou o sentimento patriótico italiano e foi o presidente mais amado pela população, com índices de aprovação entre 70% e 80%. Recusou, delicadamente, o convite para um segundo mandato. Assumiu o cargo de Senador Vitalício em 2006, após deixar a presidência.
O Governo Prodi serviu para mostrar que as grandes coalizões já não funcionam na Itália e as eleições de amanhã serão um verdadeiro balaio de gatos. Quase todos os partidos apresentam candidato próprio e ameaçam oposição responsável, qualquer que seja o eleito. Mas a disputa fica mesmo entre Sílvio Berlusconi, 72, e Walter Veltroni, 53, e ameaças de campanha não assustam ninguém. O leque se abriu, mas os partidos pequenos têm poucas chances de ocuparem muito espaço, mesmo os radicais de centro – tem de tudo.
O duro é saber que o resultado da eleição não mudará o panorama. O povo continuará na lama enquanto esse musgo ressecado em fase de fossilização não decidir abandonar a atividade política. Prodi avisou que não iria se recandidatar e cumpriu a promessa. “Vou cuidar dos netos”, prometeu. Mas não basta. É preciso deixar o campo para a possibilidade de novas ideias, novas caras e novos modos de governar. A classe política que hoje decide o futuro da coletividade italiana já o faz desde o fim da II Guerra, com visíveis sequelas à população, como o remédio que põe em risco o paciente. A decisão de Romano Prodi deveria ser copiada por boa parte do Parlamento Italiano.
Enquanto as decisões do país precisarem passar pelo crivo dos velhinhos do senado, corre-se o risco de ver o angustiante presente perpetuar-se no futuro, por mais simpáticos que possam ser. Os Vitalícios.
.
Muito bem definido Allan, um ossario, tudo cheira a mofo e mofo da alergia.
ReplyDeleteBjs
Oi Allan,
ReplyDeleteJá estou dibulgando o blogagem coletiva sobre o dia da Terra.
Bjs
1. "Ossário" é boa definição. Pena que tanto osso tenha ainda tanto poder: os mortos comandam os vivos, ou os vivos estão mortos?
ReplyDelete2. Tou preparando a postagem pro dia da Terra!
A Itália passa por uma crise de credibilidade depois do desastre do sistema de coleta de lixo em Nápoles, o problema da mozarela com dioxina, a presença de elementos tóxicos em um vinho barato e o fracasso da venda da companhia aérea Alitalia. O governo novo terá que enfrentar uma conjuntura econômica difícil, com queda no crescimento do Produto Interno Bruto. Independente de qual partido ganhar as eleições, haverá de ter uma acordo sobre os gastos públicos e fiscais.
ReplyDeleteTanto aí como aqui tudo cheira a corrupção, mas olha, aqui não temos candidatos que apresentem tantas propostas quanto aí.
Me fala uma coisa; cocaína é terapia pra quê? E a Meire falou que é preciso votar com um lápis fornecido por eles. Lápis?
Fiquei sabendo de um eleitor que foi autuado por tentar fotografar a própria cédula de votação dentro da cabine. Apavorado rasgou e comeu a cédula. Que tem nessa cédula que não pode ser pública?
Obscuridades...boa semana! Beijus
A Itália tem tantos problemas assim como o nosso Brasil. Me parece que tudo está se quebrando.
ReplyDeleteBoa semana
Olá!
ReplyDeleteUm bom trabalho, sem dúvida. Trabalho importante e bem elucidativo. Diz bem o que o poder económico e a ignorância, por acaso não lembrada no teu texto, são capazes de fazer.
O poder económico, para mim retratado por esses vitalícios por ti referidos.
A ignorância, para mim, ainda que me custe dizê-lo, pelo povo que continua a votar, ou melhor; a eleger a mesma escumalha. Não terão também culpa, os eleitores? Não estarão também estes metidos em situações pouco claras que faça com que eles queiram sempre mais do mesmo?
Pois connosco aqui em Portugal, embora pareça mentira, passa-se o mesmo. Todos dizem mal dos governos, que até não têm servido o povo, ao contrário, têm-se servido a si próprios, mas votam sempre nos mesmos.
Qual será o mistério? Será só ignorância? Eu não creio.
Pois meu amigo tem aqui um grande trabalho. Trabalho que admirei muito e que serviu para me ajudar a reflectir bastante, mesmo muito.
Abraços e até sempre.
David Santos
Allan
ReplyDeleteDesculpe a mensagem colada, estou passando para te recordar que amanha 18 de Abril tem a Blogagem Coletiva “O que voce faz para acabar com o analfabetismo no Brasil?”
Meire