Wednesday, August 01, 2007

Parmigiano Reggiano, O Rei Dos Queijos

O vilarejo de Barco di Bibbiano, situado na província de Reggio Emilia, possui uma placa informando ser a região de origem do produto italiano mais copiado no mundo. Acontece que Reggio Emilia pertence à diocese de Parma, daí o nome: Parmigiano Reggiano.

Apesar da existência de alguns registros da época do Império Romano que aludem ao nobre produto, o primeiro documento sobre o uso quotidiano do queijo é de Giovanni Boccaccio, na célebre obra “O Decamerão”, quando narra um personagem que sonhava em viver no país de Bengodi (um lugar imaginário, onde reinava a abundância). Lá existiria “una montagna tutta di formaggio grattugiato, sopra la quale stavan genti che niuna altra cosa facevan che far maccheroni e ravioli, e cuocerli in brodo di capponi” (“uma montanha feita de queijo ralado, sobre a qual havia gente que não fazia nada além de macarrão e ravioli, para depois cozinhá-los em caldo de galo capão”).

Já no século XII surgiram os primeiros caseifícios (locais onde se produz queijo), em pequenas construções anexas a monastérios e castelos. Os quatro principais caseifícios se encontravam nos monastérios de San Prospero, em Reggio Emilia, e nos monastérios de San Giovanni, San Martino di Valserena e Fontevivo, na província de Parma. Não por acaso, terras com abundância de água para banhar os campos que produziam a forragem necessária para alimentar o gado. À diferença de outras regiões, na região parmense havia, ainda, a disponibilidade de sal, vizinho que é das minas de sal de Salsomaggiore, na província de Parma. A produção difundiu-se na área ao sul do rio Po, nas províncias de Parma, Reggio Emilia e Modena, e em parte das províncias de Bolonha e Mântua.

Atualmente a maior parte da produção é feita com o leite de vacas holandesas, levadas para a região por volta de 1900. Mas o melhor leite é o da raça reggiana – provavelmente introduzidas pelos longobardos séculos antes – que produz apenas metade do leite das holandesas. Ainda hoje, alguns pequenos produtores usam o leite das vacas reggianas para produzir um queijo de qualidade superior. Para cada quilo de queijo Parmigiano Reggiano são necessários 16 litros de leite.

O Parmigiano Reggiano é um produto DOP (Denominação de Origem Protegida), o que significa que tem a sua produção regulamentada por uma normativa europeia, cujo teor é preciso e detalhado, estipulando até mesmo o que as vacas podem ou não consumir. Rigorosíssimo na aplicação e vigilância do regulamento, o Consorzio del Formaggio Parmigiano Reggiano DOP – que representa o conjunto dos produtores autorizados – luta para combater as imitações espalhadas pelo mundo, como no caso brasileiro do “queijo tipo parmesão”. Na União Europeia é proibido o uso de qualquer nome que faça menção ao produto. Já não é possível encontrar nos supermercados dos países da UE o “parmesan cheese” de um tempo.

Trata-se, na realidade, de um queijo do tipo “grana”, mas de qualidade superior. A zona de produção encontra-se em uma área com fatores climáticos determinantes e o longo período de maturação influi no preço, também superior aos concorrentes. Sim, concorrentes, pois Parmigiano Reggiano é uma marca registrada. Cada forma pesa, em média, 40 quilos; a coloração interna deve ser “paglierina” (cor de palha), massa granulosa e consistente com um mínimo de 32% de gordura; sabor marcante mas não picante. E nenhum, absolutamente nenhum produto químico. Do capim ao prato.

Capim é basicamente o que as vacas podem comer. Nada de ureia, alimentos de origem animal ou restos de culturas. O capim, é óbvio, também não pode ser adubado com produtos químicos. E é todo esse cuidado, aliado ao clima particular, a garantir a qualidade de um produto genuíno e inigualável, numa tradição nascida há séculos.

O leite da ordenha da tarde é guardado até a manhã seguinte, quando é misturado ao leite da ordenha matinal. Dentro de imensos tachos de cobre, adiciona-se ao leite coalho de vitelo e parte do soro separado no processo de produção do dia anterior, iniciando o processo de cozimento para a coagulação. No final do dia a massa terá sido quebrada/partida manualmente, com o auxílio de uma espécie de escumadeira gigante, após a sedimentação, separada do soro e transferida para as formas já com as marcas externas que identificam o queijo. Em seguida a forma passa por uma pré-maturação, quando acontece o processo de salgadura por imersão em salmoura e inicia-se a maturação que, no caso do Parmigiano Reggiano, é de dois anos, em média; a maturação mínima para poder receber o selo do produto é de doze meses. Durante todo o período de pré-maturação e de maturação as formas são giradas diversas vezes, sistematicamente, o que contribui para a maturação homogênea do produto. O resultado de todo esse empenho tem um diâmetro de 35 a 45 cm e altura de 20 a 26 cm, com um peso mínimo de 30 quilos.

Todo processo de produção comporta riscos. Para evitar oferecer ao consumidor um produto fora dos padrões, cada forma é selecionada e classificada. Uma forma por lote será cortada para um minucioso exame organolético. Todas as formas recebem suaves marteladas num ritual de controle auditivo; pequenos furos são produzidos na extração de amostras para análises; uma por uma, passam por uma avaliação visual da parte externa e só depois serão classificadas como “scelto sperlato”, “zero” e “uno”, indicadas para comercialização inteiras; “mezzano”, para comercialização em pedaços – que permite descartar as pequenas marcas na crosta; “scarto” e “scartone” são as formas com defeitos considerados graves que serão raladas, após eliminação da parte danificada e comercializadas em embalagens take away – aqueles saquinhos de queijo ralado de qualquer supermercado, mas com a marca Parmigiano Reggiano.

Na Itália, rala-se sobre a massa outros tipos de queijos, além do Parmigiano Reggiano, dependendo do prato e do gosto pessoal de cada consumidor: pecorino – queijo de leite de ovelha – diversos queijos de leite de vaca e até mesmo a ricota, depois de prensada e seca ao forno, mas a grande maioria não abre mão da tradição. Da mesma forma, o Parmigiano Reggiano não serve apenas para ralar sobre o macarrão nosso de cada domingo. Ele entra como ingrediente em muitas receitas; é usado como recheio de massas; pode ser adicionado como cobertura de pizzas ou consumido aos pedaços/escamas, acompanhado por um copo de cerveja ou de vinho. Os médicos italianos aconselham o consumo – sem a cerveja ou o vinho – na maioria das dietas, inclusive na papinha de bebês.

A minha sugestão é escolher um pedaço de queijo considerando a quantidade de porções a serem servidas – ou você não terá o que fazer com 40 quilos de queijo – e ralar o queijo no momento em que for usar. Caso seja embalado a vácuo, retire-o da embalagem um dia antes do consumo; um bom gourmet irá deixar o queijo – qualquer queijo – à temperatura ambiente uma hora antes do consumo.

Compare com outros queijos para ralar, degustando os produtos em um mesmo momento. Experimente puro, sinta o aroma particular e explore os seus sentidos para perceber as diferenças. No final você irá entender porque o Parmigiano Reggiano é o rei dos queijos.

No próximo post, brodo e sofritto. Os segredos do risotto.
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12 comments:

  1. Anonymous1:59 AM

    Fora a sensacional cobertura jornalística de como é feito, ficou na boca a vontade de provar esse queijo... Manda para mim, manda???

    beijos

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  2. Anonymous9:44 AM

    Allan, parabéns pelo post tao esclarecedor e rico em conteúdos. Você sabe que eu fui até a minha geladeira para ver que tipo de parmesao eu tenho. E sabe que fui surpreendida? Eu tenho aqui: "Cucina Originale Italiana" Parmigiano Reggiano 32% de gordura e 2 anos de idade. Eu o compro num mercado que nao sei se tem ai na Itália que se chama "ALDI" e ele tem diversos produtos italianos. A Viviane minha filha o come em escamas, pois ela o adora. Ontem na pasta metade do pedaco que comprei foi ralado. Da próxima vez vou tirá-lo da geladeira com antecedência.
    Valeu tao rica informacao.

    Boa semana grande abraco pra você

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  3. Anonymous11:40 AM

    Aí você mata a gente. Agora são 11:30... só vou sair pra almoçar as 13:00... tenho um pedaço do dito cujo em casa, mas a essa hora só posso lembrar do gosto.

    Devo voltar pra casa semana que vem. Vai bater uma saudade incrível dos queijos e dos presuntos... Aliás, obrigado pela pequena aula em Riva... agora tenho mais atenção na hora de comprar essas delícias.

    Abraços

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  4. Em minhas viagens, mesmo a trabalho, procuro fazer o chamado turismo cultural e a culinária faz parte da história e da cultura dos povos, como você muito bem habitualmente demonstra; o duro é descobrir que cultura não enche barriga, mas engorda.

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  5. Allam, sua aula foi simplesmente ótima. Adorei saber isso tudo. Beijocas

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  6. Anonymous5:00 PM

    Sério mesmo que os médicos italianos recomendam?? Agora mesmo vou sair por aqui procurando não um parmesão mas um médico italiano...( que meu algoz, o bom Fred- espanhol, por sinal, não me ouça) !!
    beijos

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  7. Allan, sem comentários. Esse post está tão perfeito q eu vou dar um copy/paste básico e guardá-lo no meu folder de culinária aqui em casa. Vai pro arquivo de receitas! Muitíssimo obrigada por escrevê-lo, ficou supimpa.

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  8. Não fiquei com inveja porque tia Arina traz sempre que vem da Itália. Por aqui também tem, mas ela insisti em trazer o queijo, grappa, tomate em conserva, um monte de coisinhas. Mas acho que conservo errado, coloco no freezer em pedaços e vou tirando conforme a necessidade.
    Bem, acho que vou abrir um vinho!
    Bom fim de semana! Beijus

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  9. Anonymous11:10 PM

    Preciso ir à Itália conhecer o Rei dos Queijos. Basta de imitações. Agora eu faço questão do original, do verdadeiro, do imcomparável Parmigiano Reggiano. :-)

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  10. Anonymous1:52 AM

    me deu vontade de largar tudo e sair pra comprar o queijo!

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  11. Olá Allan. Sei que "uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa", mas aqui no Sul se faz um "Grana Padano" bem gostoso e que inclusive deixou os Italianos que vieram conferir de bôca aberta (literalmente), é fabricado pela Randon Agrosilvopastoril, por conta do empreendendorismo do seu dono. Vale a pena experimentar.
    http://gula.ig.com.br/entrevista/158.shtml

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  12. Anonymous5:49 PM

    I like this site^-^

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