Sabe aquele orgulho bobo de ter feito algo com as próprias mãos, mesmo quando o preço, o esforço e a qualidade não compensam? Pois o italiano de hoje perdeu esse tipo de vaidade. O tempo, esse ser abstrato cada vez mais escasso, vem sendo utilizado para coisas essenciais, como o trabalho necessário e o lazer irrenunciável. Tudo o que puder ser feito com economia de tempo terá preferência sobre tradições e tarefas complicadas.
Na véspera de Natal toda a família estará envolvida na produção do tortelli de família, na escolha do vinho produzido por alguém de confiança (que tem sempre um produtor de confiança por perto), na decoração da mesa para o tradicional almoço do dia 25 e nas diversas sobremesas, que esticarão o almoço até às seis, oito da noite. Fora isso, não espere encontrar ninguém com menos de sessenta anos preparando a massa caseira de todo dia. Para comer um prato “como se fazia antigamente”, o italiano visita a sogra, a tia, a mãe ou a avó, nos finais de semana. Depois, volta para casa lamentando-se da falta de tempo para cozinhar nessa vida moderna, vai ao estádio torcer pelo seu time, sai para comer uma pizza à noite para não perder tempo e termina em uma discoteca ou num bar. Na segunda-feira vai ao supermercado e enche o carrinho com massas e pratos prontos.
Mas se você quer experimentar o prazer de fazer um prato com as próprias mãos para impressionar seus convidados, aqui vai uma receita clássica:
Cannelloni con ricotta e spinaci (4 pessoas):
1º molho:
1 kg de tomates bem maduros;
Azeite;
1 cebola grande;
1 dente de alho;
1 pitada de pimenta do reino;
1 pitada de açucar;
1 pitada de sal.
Tire a pele e as sementes dos tomates; Em uma frigideira grande, ponha um fio de azeite e a cebola batidinha; junte o alho amassado quando a cebola estiver dourada, espere fritar e junte os tomates, o sal e a pimenta do reino. Abaixe o fogo e deixe cozinhar lentamente. Corrija a acidez do tomate com uma pitada de açucar. Reserve.
2º molho:
200 gr de manteiga;
3 colheres de sopa de farinha de trigo;
2 copos de leite morno;
Sal;
Noz-moscada.
Em uma panela baixa, ou noutra frigideira, menor que a do molho de tomate, ponha a manteiga e a farinha juntos. Com o fogo baixo, vá mexendo com uma colher de pau. Quando a manteiga enxugar e a farinha começar a dourar, vá adicionando o leite. Não pare de mexer. Antes (grife o “antes”) que o molho engrosse, coloque o sal, a noz-moscada e apague o fogo. Reserve. Ligue para seus convidados e informe que você não terá tempo para achar um vinho branco de qualidade. Após eles se oferecerem para comprá-lo, sugira um Pinot Grigio ou um Verdicchio e informe que você não suporta vinho branco alemão.
Recheio:
1 kg de espinafre;
300 gr de ricota;
2 colheres de manteiga;
1 ovo inteiro e 1 clara em neve;
4 colheres de Parmigiano Reggiano ralado;
Sal.
Corte e jogue fora as raízes do espinafre, lave as folhas e talos diversas vezes. Certifique-se de que toda a terra foi eliminada. Cozinhe com água e sal, deixe esfriar e corte bem fino. Em uma frigideira anti-aderente – onde você arranjou tanta frigideira assim? – coloque a manteiga e o espinafre; deixe reduzir e enxugar, mexendo de vez em quando. Passe o espinafre para uma tigela, junte a ricota amassada, o sal, o queijo ralado e o ovo cru. Misture bem, prove e corrija o sal. Reserve. A clara em neve será usada na montagem do prato.
Massa:
400 gr de farinha de trigo;
2 ovos;
2 colheres de água.
Disponha a farinha formando um pequeno vulcão sobre a mesa, coloque os ovos e a água no meio. Comece misturando com as pontas dos dedos até ganhar consistência, amasse bem para obter uma massa lisa. Abra com o rolo de macarrão (na falta do rolo, use a garrafa vazia do vinho branco alemão você tomou), deixando-a fina e compacta. Corte em quadrados de 10 ou 12 centímetros. Cozinhe em água com sal e um fio de azeite para não grudar, deixando-a ligeiramente crua. Forre a mesa com uma toalha limpa, separe os quadrados de massa deixando-os lado a lado; ajeite o recheio na extremidade da massa; use a toalha para enrolar e formar o cannelloni e aproveite a clara em neve para fechar as pontas. Suma com a garrafa vazia de vinho branco alemão.
Forre o fundo de uma assadeira com manteiga, um pouco do molho de tomate e queijo ralado. Coloque o cannelloni e cubra com o molho de tomate. Espere assentar e cubra com o molho branco. Uma boa dose de queijo ralado deve cobrir todo o prato, antes de levá-lo ao forno pré-aquecido em fogo médio. Quando formar uma pequena crosta dourada, o prato estará pronto para servir.
Quando os seus convidados chegarem com a garrafa de vinho que eles tiveram a maior dificuldade em encontrar, sorria, informe que o prato deve ser servido quente, espere os elogios e diga: “gostaram? Eu que fiz.” E lembre-se de fazer cara feia quando eles retribuírem o jantar com aquele vinho branco alemão de que você tanto gosta.
"Eu que fiz, mas a receita é do Allan".. Eu vou fazer, sim! E acho que para a Yvonne e a Viva (se é que elas vão mesmo aparecer por Sampa).
ReplyDeleteBeijão e deixa eu voltar lá e copiar....
Como eu gostaria de ter disposicao pra cozinhar... sei lá, tenho preguiça! Uma pena...
ReplyDeleteAllan, segundo meus guias vinicolos, vinho alemão não é vinho. Faz partes das ilusoes a que um inocente é potencial vitima, nesse maluco mercado enologico. Mas, enfim, o diabo é que é bem gostosinho...
ReplyDeleteUm abraço.
A receita desse cannelloni está um espetáculo.
ReplyDeleteHoje eu tive essa sensação boa de ter feito o próprio almoço. E ficou ótimo. Nada muito elaborado, mas o sabor é diferente. Nem sempre isso acontece. A preguiça, às vezes, fala mais alto.
Ôba, me dei bem! ALlan, continue nos presenteando com essas maravilhosas receitas. Um dia ainda venço a preguiça e faço uma delas. Quem sabe quando a Sandra vier me visitar ;).
ReplyDelete"Em uma frigideira grande, ponha um fio de azeite..."
ReplyDeleteSoh essa frase jah prediz algo muito bom. Allan, q receita, camarada! Com parmeggiano ainda, aimeudeus!!
Estou com agua na boca.
Beijos.
allan, só tenho que agradecer. Nestes últimos dias fiquei lambendo uma das minhas crias que mora nos EUA e veio passar uma semana aqui. E fechamos a estadia com chave de ouro e o "canelloni do Allan" ! Todo mundo adorou! É claro que foi o maridão que fez. Eu só fiquei lendo a receita de lado e lavei toda a louça depois...Um beijão!
ReplyDeleteQueria ser bom na cozinha. A única coisa que tem início e fim mas minhas mãos é bacon com ovos. Pode?
ReplyDeleteUm abraço!
Nao estou mais na Italia (infelizmente), voltei em agosto... Saudades tds os dias!! :o)
ReplyDeleteClaudia
Allan, adorei a estratégia do vinho. Você é um artista mesmo! E suas meninas vão ser impossíveis, aprendendo com um pai como esse.
ReplyDeleteEu, cada vez mais, estou adorando fazer as coisas. Além de comidinhas, estou lendo e fazendo jardinagem, montar móveis, pintar (parede, móvel). Não tem nada melhor!!
O dica do vinho foi interessante. A minha dificuldade está em abrir a massa, difícil saber a quantidade correta de farinha.
ReplyDeleteDescobri o motivo de um amigo italiano não sair de casa! (rs*)
Beijus
Allan e suas receitas deliciosas...acho que não sou capaz de fazer, li assim mesmo, a parte que mais gostei foi aquela de formar um pequeno vulcão...rs...
ReplyDeleteAbraços
Você já pensou em lançar um livro de "receitas italianas para brasileiros", meu amigo? Beijoca.
ReplyDeleteparece deliciosa a receita, mas deve dar um trabalhooooo!
ReplyDeleteadoro cozinhar, so nao gosto de lavar a louca depois! :)
beijossssss
Pois hoje, "eu que fiz" uma moqueca meio que à baiana aqui nas Minas Gerais... Nada tão bem elaborado e artístico como uma pasta italiana... ah! será que chego lá?
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