Paz e saúde!
Situações difíceis costumam ser produtivas. A atual crise política que vive o Brasil pode nos ensinar lições que servirão para aprimorar a democracia que experimentamos há alguns anos. O veterano jornalista Aldo Pereira publica hoje, segunda-feira, 29 de agosto, na Folha de São Paulo (seção “Tendências e Debates” pág. 3) a matéria que reproduzo abaixo:
Como depurar o Legislativo
Parece inevitável que a confusão de perigos e oportunidades desta crise vá desaguar nalgum tipo de reforma política. O perigo é que autores dos “erros’ (leia “delitos”) venham pescar nestas águas turvas justamente para mais bem se haverem com a indignada condenação popular que provocaram.De qualquer modo, a futilidade dessa condenação decerto já conforta muitos mandatários. Voto em branco? Nulo? Esses esperneios inócuos não prevenirão o retorno ao Congresso, por exemplo, daqueles que tiverem renunciado para escapar à cassação e voltar prontos para outra.
Melhor que branco ou nulo seria o voto negativo, aquele pelo qual o eleitor pudesse dizer “Não!” a um nome execrado. Seu voto negativo anularia o que algum outro eleitor tivesse dado, talvez vendido, a candidatos desqualificados para o mandato. Em concomitância, tal voto diminuiria o dividendo eleitoral alocado à respectiva legenda.
Aliás, se instituído, o direito a voto negativo talvez nem precisasse ser exercido. Nenhum parasita da política arriscaria dinheiro, mesmo “não contabilizado”, se previsse que seu curral de eleitores seria superado, em número, pelos eleitores que o rejeitariam. Partidos de aluguel não achariam locatários para suas legendas postiças. E os partidos efetivamente representativos seriam mais prudentes na composição de suas chapas.
Imagino quanta gente não irá ponderar que, se essa idéia fosse plausível, algum outro país já a teria implementado. A objeção remete a um precedente histórico, do qual se ocupou Aristóteles em sua “Constituição de Atenas”: o ostracismo. O significado do termo encarquilhou no passar dos séculos, é verdade, (hoje, por exemplo, “cair no ostracismo” é ser vítima de discriminação ou segregação). Mas na acepção original e histórica, ostracismo era forma constitucional de exclusão, praticada em certas cidades-estados da Grécia pré-cristã, inclusive Atenas.
Antes de instituído lá o ostracismo, a sucessão ateniense se fazia pela expulsão violenta da elite dominante por outra facção da mesma classe. Para prevenir esses traumas sucessórios, instituiu-se então uma forma de desterro legal do líder da oposição. Ele, e apenas ele, poderia ser banido por dez anos, se pelo menos 6.000 eleitores assim decidissem. (Estima-se que 40.000 homens, dos 300.000 habitantes da cidade, teriam direito a voto.) Para expressar seu veredicto, o votante inscrevia o nome do indiciado na concavidade de um caco (óstracon) de vasilha cerâmica, e o entregava a um magistrado para tabulação. (Erroneamente, o “Houaiss” diz que o voto era inscrito numa concha de ostra revestida de cera; a confusão provavelmente advém de óstracon ser uma derivação figurativa de óstreion, “ostra”, concha”).
O ostracismo não era infamante, nem implicava confisco de bens. O caso mais célebre e ilustrativo decorreu da divergência que, em 482 a.C., opôs dois reputados generais e estadistas: Temístocles, de origem bastarda, e o aristocrático Aristides. Atenas vivia então perigo mortal. Xerxes I não desistira do projeto herdado do pai, Dario I, de estender o império persa à Europa e dominar o Mediterrâneo.
Aristides optava por reforçar a infantaria que havia contido em Maratona a primeira invasão persa. Temístocles achava que o único modo de compensar a inferioridade numérica dos gregos seria triplicar a esquadra ateniense e destruir aquela de que os persas precisariam para abastecer seu formidável exército. Tal projeto, bem mais caro do que a estratégia terrestre, desagradava à nobreza abastada: guerreiros nobres preferiam comprar armas para seu uso pessoal, em vez de contribuir para o patrimônio coletivo.
Mas a maioria não era nobre. Apesar do honroso currículo militar, e da reconhecida honestidade administrativa que lhe valera cognome de O Justo, Aristides perdeu. Com o rival banido, Temístocles negociou aliança com cidades rivais, logrou construir metade do número de navios pretendido, e salvou Atenas com a vitória naval dos gregos em Salamis (480 a.C.).
Embora distintas do ostracismo em atributos particulares, certas formas análogas de exclusão continuam sendo praticadas nas mais democráticas sociedades. Por exemplo, quando a Ordem dos Advogados do Brasil interdita a profissão aos despreparados. Ou quando a comunidade empresarial ostraciza caloteiros e falidos. Lato sensu, cassação de mandato é ostracismo. Mas o precedente grego é o mais inspirador dos exemplos. Se representantes do povo podem cassar direitos políticos de seus pares, como negar a expressão direta e explícita de igual julgamento a quem lhes delega esse poder?
O estamento patrimonialista em que se converteu a classe política
brasileira não aparenta interesse em restituir ao povo a soberania que tem usurpado para benefício pessoal próprio. Mas, pela humilde aceitação do veredicto do voto negativo, poderia remir, em parte, pecados cívicos como o dessas transfusões financeiras, dos que têm estômagos vazios para aqueles que recorrem à cirurgia quando precisam conter a expansão dos seus.”
Aldo Pereira, “Como depurar o Legislativo”, 24/8/05. p. 2/3
Por favor, fiquem de olho na repercussão e me informem sobre os resultados.
Estou procurando algo para importar do Brasil e achei a idéia muito útil e revolucionária, se levada a sério.
Ciao.
Em tempo - Para quem quisesse opinar sobre a proposta, aqui vão dois enderços da Folha:
"Tendências/Debates" debates@uol.com.br
"Folha de S. Paulo" folha@uol.com.br
7 comments:
Ah sim, logo que chegou o jornal li. Seria ótimo se fosse viável o voto negativo. Mas quem o implantaria? Quem o criaria? Não estes que aqui estão, infelismente. Beijos
Odila
1.
Neste tipo de questão, preciso ler e reler, meditar e, somente após algum tempo, assumir uma posição.
2.
A panacéia do momento é a reforma política, nisto todos os parlamentares estão de acordo; eu fico desconfiado por dois motivos: o primeiro é que o assunto é tratado como se servisse de desculpa para os crimes praticados, sobretudo pelo PT, pois o problema seria das leis brasileiras, das campanhas eleitorais caras, etc., daí o TSE - Tribunal Superior Eleitoral, quer acabar a campanha política, reduzindo o tempo de campanha, ou seja, a solução seria uma maior despolitização; o segundo motivo de minha desconfiança é que não faltam leis, e boas leis, no Brasil, o que falta é fazê-las cumprir por todos; antes de inventarmos novas fórmulas, que tal botarmos as atuais em funcionamento? e sermos rigoros na aplicação de penas a quem as descumprir?; evidentemente temos muitas dificuldades em praticarmos a justiça, pois temos, apenas para exemplificar, um Presidente do STF - Supremo Tribunal Federal (ex-presidente do TSE - Tribunal Superior Eleitoral) que teve a cara-de-pau de se vangloriar na TV de ter, na condição de relator, adulterado artigos da Constituição, durante a Assembléia Nacional Constituinte; ou seja, ao invés de ocupar uma vaga no tribunal, ele deveria estar na cadeia.
Antes de qualquer reforma do arcabouço legal, precisamos passar o Brasil a limpo, ou seja, botarmos na cadeia FHC, Nelson Jobim, Lula, etc.
Ainda não tinha lido sobre esse voto negativo...Enfim, estamos todos tão perdidos, tudo o que aparece exige reflexão.
Como votar nas próximas eleições?! Tenho medo só de pensar nos resultados. Abraços
Não sei. Teria que pensar. Assim, no improviso, digo que não gostei. Começaria, antes de tudo, por uma Operação Mãos Limpas bem rigorosa. Depois, veria.
Grande abraço.
A "limpeza" tem de ser feita: operação mãos limpas à la Itália? O voto negativo poderia ser influenciado pela mídia? Seria possível evitar o império do $$$ para "fazer a cabeça do eleitor" para que este vote contra fulano de tal? Haveria epidemia de boatos e falsas denúncias??? Argh! confuso, eu!
Com o poder que tem a mídia, concordo com o Cláudio: seria abrir o galinheiro para as raposas. De qualquer sorte, é positivo que as pessoas tenham idéias e que elas sejam debatidas. abs
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