Monday, August 29, 2005

Know-how Brasileiro

Caros e Caras,
Paz e saúde!

Situações difíceis costumam ser produtivas. A atual crise política que vive o Brasil pode nos ensinar lições que servirão para aprimorar a democracia que experimentamos há alguns anos. O veterano jornalista Aldo Pereira publica hoje, segunda-feira, 29 de agosto, na Folha de São Paulo (seção “Tendências e Debates” pág. 3) a matéria que reproduzo abaixo:



Como depurar o Legislativo
Parece inevitável que a confusão de perigos e oportunidades desta crise vá desaguar nalgum tipo de reforma política. O perigo é que autores dos “erros’ (leia “delitos”) venham pescar nestas águas turvas justamente para mais bem se haverem com a indignada condenação popular que provocaram.
De qualquer modo, a futilidade dessa condenação decerto já conforta muitos mandatários. Voto em branco? Nulo? Esses esperneios inócuos não prevenirão o retorno ao Congresso, por exemplo, daqueles que tiverem renunciado para escapar à cassação e voltar prontos para outra.
Melhor que branco ou nulo seria o voto negativo, aquele pelo qual o eleitor pudesse dizer “Não!” a um nome execrado. Seu voto negativo anularia o que algum outro eleitor tivesse dado, talvez vendido, a candidatos desqualificados para o mandato. Em concomitância, tal voto diminuiria o dividendo eleitoral alocado à respectiva legenda.
Aliás, se instituído, o direito a voto negativo talvez nem precisasse ser exercido. Nenhum parasita da política arriscaria dinheiro, mesmo “não contabilizado”, se previsse que seu curral de eleitores seria superado, em número, pelos eleitores que o rejeitariam. Partidos de aluguel não achariam locatários para suas legendas postiças. E os partidos efetivamente representativos seriam mais prudentes na composição de suas chapas.
Imagino quanta gente não irá ponderar que, se essa idéia fosse plausível, algum outro país já a teria implementado. A objeção remete a um precedente histórico, do qual se ocupou Aristóteles em sua “Constituição de Atenas”: o ostracismo. O significado do termo encarquilhou no passar dos séculos, é verdade, (hoje, por exemplo, “cair no ostracismo” é ser vítima de discriminação ou segregação). Mas na acepção original e histórica, ostracismo era forma constitucional de exclusão, praticada em certas cidades-estados da Grécia pré-cristã, inclusive Atenas.
Antes de instituído lá o ostracismo, a sucessão ateniense se fazia pela expulsão violenta da elite dominante por outra facção da mesma classe. Para prevenir esses traumas sucessórios, instituiu-se então uma forma de desterro legal do líder da oposição. Ele, e apenas ele, poderia ser banido por dez anos, se pelo menos 6.000 eleitores assim decidissem. (Estima-se que 40.000 homens, dos 300.000 habitantes da cidade, teriam direito a voto.) Para expressar seu veredicto, o votante inscrevia o nome do indiciado na concavidade de um caco (óstracon) de vasilha cerâmica, e o entregava a um magistrado para tabulação. (Erroneamente, o “Houaiss” diz que o voto era inscrito numa concha de ostra revestida de cera; a confusão provavelmente advém de óstracon ser uma derivação figurativa de óstreion, “ostra”, concha”).
O ostracismo não era infamante, nem implicava confisco de bens. O caso mais célebre e ilustrativo decorreu da divergência que, em 482 a.C., opôs dois reputados generais e estadistas: Temístocles, de origem bastarda, e o aristocrático Aristides. Atenas vivia então perigo mortal. Xerxes I não desistira do projeto herdado do pai, Dario I, de estender o império persa à Europa e dominar o Mediterrâneo.
Aristides optava por reforçar a infantaria que havia contido em Maratona a primeira invasão persa. Temístocles achava que o único modo de compensar a inferioridade numérica dos gregos seria triplicar a esquadra ateniense e destruir aquela de que os persas precisariam para abastecer seu formidável exército. Tal projeto, bem mais caro do que a estratégia terrestre, desagradava à nobreza abastada: guerreiros nobres preferiam comprar armas para seu uso pessoal, em vez de contribuir para o patrimônio coletivo.
Mas a maioria não era nobre. Apesar do honroso currículo militar, e da reconhecida honestidade administrativa que lhe valera cognome de O Justo, Aristides perdeu. Com o rival banido, Temístocles negociou aliança com cidades rivais, logrou construir metade do número de navios pretendido, e salvou Atenas com a vitória naval dos gregos em Salamis (480 a.C.).
Embora distintas do ostracismo em atributos particulares, certas formas análogas de exclusão continuam sendo praticadas nas mais democráticas sociedades. Por exemplo, quando a Ordem dos Advogados do Brasil interdita a profissão aos despreparados. Ou quando a comunidade empresarial ostraciza caloteiros e falidos. Lato sensu, cassação de mandato é ostracismo. Mas o precedente grego é o mais inspirador dos exemplos. Se representantes do povo podem cassar direitos políticos de seus pares, como negar a expressão direta e explícita de igual julgamento a quem lhes delega esse poder?
O estamento patrimonialista em que se converteu a classe política
brasileira não aparenta interesse em restituir ao povo a soberania que tem usurpado para benefício pessoal próprio. Mas, pela humilde aceitação do veredicto do voto negativo, poderia remir, em parte, pecados cívicos como o dessas transfusões financeiras, dos que têm estômagos vazios para aqueles que recorrem à cirurgia quando precisam conter a expansão dos seus.”
Aldo Pereira, “Como depurar o Legislativo”, 24/8/05. p. 2/3



Por favor, fiquem de olho na repercussão e me informem sobre os resultados.

Estou procurando algo para importar do Brasil e achei a idéia muito útil e revolucionária, se levada a sério.

Ciao.


Em tempo - Para quem quisesse opinar sobre a proposta, aqui vão dois enderços da Folha:
"Tendências/Debates" debates@uol.com.br
"Folha de S. Paulo" folha@uol.com.br

3 comments:

Leila Silva said...

Ainda não tinha lido sobre esse voto negativo...Enfim, estamos todos tão perdidos, tudo o que aparece exige reflexão.
Como votar nas próximas eleições?! Tenho medo só de pensar nos resultados. Abraços

Claudio Costa said...

A "limpeza" tem de ser feita: operação mãos limpas à la Itália? O voto negativo poderia ser influenciado pela mídia? Seria possível evitar o império do $$$ para "fazer a cabeça do eleitor" para que este vote contra fulano de tal? Haveria epidemia de boatos e falsas denúncias??? Argh! confuso, eu!

Anonymous said...

Com o poder que tem a mídia, concordo com o Cláudio: seria abrir o galinheiro para as raposas. De qualquer sorte, é positivo que as pessoas tenham idéias e que elas sejam debatidas. abs