Monday, March 28, 2005

Sintetizando

Caros e Caras,
Paz e saúde!

- Olha, Gianni, a união da curiosidade à capacidade de aprender coisas tão diferentes produz resultados inovadores, e é ótimo que você procure sempre dar o máximo em tudo que faz. A curiosidade é uma das alavancas do progresso que nos conduziu até o século vinte e um. Quando se é jovem, no mercado de trabalho, haver iniciativa pode fazer a diferença entre uma carreira brilhante e a mediocridade dos relatórios. Não tenha pressa. Procure utilizar um pouco mais de tempo em cada fase do seu processo de aprendizado para evitar a superficialidade. Use o seu potencial para absorver o máximo e certificar-se de que realmente entendeu cada detalhe. Queimar etapas no momento em que a empresa ainda não espera resultados concretos pelo seu desempenho é um desperdício. Você poderá ter dificuldades quando não houvermos a mesma disponibilidade e tiver que conduzir um projeto.

- Você está me dizendo que não devo ser tão ansioso e prestar mais atenção para não cometer tantos erros?

- Não. Eu acreditava, até segundos atrás, poder contar com você para auxiliar-me em algumas tarefas simples, que cresceriam de importância à medida em que você fosse demonstrando maior domínio de toda a nossa operação. Mas devo confessar que eu questiono a inteligência de quem tenta enfiar toda a minha diplomacia em uma frase tão curta. Me soa arrogante. Volte ao trabalho.

***

A capacidade de síntese é, muitas vezes, essencial. Podemos ser prolixos numa conversa de bar, ou quando a situação não exige atitudes práticas. Os filósofos (pelo menos os antigos, que podem ser citados sem o risco de uma discussão cara a cara) não davam tanta importância à forma dos seus discursos. Estavam mais interessados ao conteúdo. Mas um repórter que tem os segundos contados não pode permitir-se longas dissertações.

Um amigo me mostra um anúncio de emprego em um jornal, e pede para que avalie se ele corresponde ao perfil solicitado. Está lá, bem destacado: Capacidade de síntese. Ofereço-lhe um olhar condescendente e balanço a cabeça de forma negativa. Um anúncio idêntico deve ter sido usado para contratar aquele locutor da rádio RTL (Radio Tele Lombardia – 102.5). Ao ouvir a opinião de uma ouvinte sobre uma pesquisa, o locutor tentou resumir o que ela havia dito, conduzindo suas palavras para um ponto de vista ligeiramente diferente. A ouvinte protestou e, diante do agradecimento e despedida do radialista que se preparava para falar com outro ouvinte, não se conteve e disse um sonoro palavrão no ar.

Ainda na área da informação (que este é o segmento que mais necessita da economia das palavras), é irritante a mania que os jornalistas televisivos italianos têm de interromper os enviados (especiais ou não) no meio da transmissão. O repórter está no Iraque, nos Estados Unidos ou no estádio de futebol apresentando uma matéria, quando a frase é interrompida pela voz e imagem do(a) apresentador(a) no estúdio: “Obrigado Fulano de Tal. Passamos agora a outro assunto.” Ou, pior, quando o jornalista avisa que tem poucos segundos para encerrar a matéria, usa todo o tempo para formular uma pergunta marota, onde expõe o próprio ponto de vista, e conclui com um convidativo “não acha?”. Enrolar era uma característica do programa jornalístico satírico Stricia la Notizia, que apresentava poucas matérias mas as explorava bem, fazendo-me recordar a incrível capacidade de encher lingüiça do Joelmir Beting (com dois t ou com um? Betting, Beting… Ah! Deixemos como está). Agora que o programa está se especializando em denúncias, perdeu o charme.

Não sou jornalista, posso ser prolixo. Não daqueles que interrompem a palavra-chave da frase para respirar e provocam expectativa, enquanto controlam com o olhar a pequena plateia para averiguar se todos no escritório prenderam a respiração, como desejado, até que ele complete, depois de um gole de café: “…uma maçã vermelha.” Há quem reclame do tamanho das minhas cartas, sugerindo que eu deveria aproveitar para desenvolver a capacidade de escrever com menos palavras. Não respondo (e espero que ninguém esteja prendendo a respiração) e continuo escrevendo-as sem estressar-me.

Vivemos num mundo imediatista. Tudo requer uma resposta urgente e definitiva. As decisões devem ser tomadas em segundos e não há possibilidade de errar. Cada decisão precisa estar certa pois não há tempo para uma nova tentativa. A ação seguinte depende do sucesso da anterior. Estamos conectados a uma série de instrumentos que nos permitem conhecer e avaliar cada informação. Celular, internet, ipod, antena parabólica, enciclopédias digitais, televisão, computador, rádio, vídeo game, Google, jornal e crianças que já nascem sabendo tudo. Não existe a alternativa de não saber, de não entender a pergunta. Devemos ser ágeis em respostas que digam tudo com o mínimo.

Me sinto um dinossauro, dividindo uma garrafa de vinho na cozinha, olhando nos olhos dela enquanto decidimos o que fazer nas férias. Ou sentado numa mesa da Birreria Cristiania, esperando a hora em que poderei entrar no centro da cidade com a placa final ímpar. Ficamos ali, os colegas de trabalho, jogando conversa fora e lembrando do tempo em que não precisávamos de imposições para tomar uma com os amigos. Quando havíamos tempo de não nos preocuparmos com o tempo e podíamos ser prolixos o quanto quiséssemos.

Estaremos fadados à filosofia de botequim?
Bem, é melhor que nada.

Ciao.

7 comments:

  1. Anonymous4:47 PM

    oi Alan!
    Acho suas cartas perfeitas, observadoras. Existem dois tipos de síntese: a que realmente importa , tipo: FOGO! , ou Madeira!
    E a idiota: "ë assim mesmo" "sou muito sincera"

    Em geral, pra se conhecer um assunto de verdade, é necessário chegar às origens, aí, só mesmo destrinchando.

    Ó, eu não mando e:mail procê não! ;-)) certamente na sua configuração "alerts" está clicado pra receber e:mails dos contatos do multiply.

    Essa receita de pão de queijo que postei fica BEM aerado.

    Angela

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  2. Como o dos antigos filósofos, o tamanho dos teus escritos deve ser aquele que em que cabem as idéias que estás desenvolvendo, e com a forma que queres dar a elas, sem concessões à síntese.

    Uma das qualidades do teu texto que mais admiro é a fluência com que ele se desenvolve, a naturalidade com que as idéias fluem, como se estivesses tu e teus leitores conversando, frente a frente.

    Queixar-se de que um texto é longo é apenas preguiça mental. E é lamentável.

    abraço

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  3. Um texto só parece longo quando é chato... e suas cartas são deliciosas seja qual for o assunto.

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  4. Anonymous9:23 PM

    Confesso que muitas vezes fico angustiado com a velocidade de informações de nossos amigos blogueiros. Não consigo acompanhá-los, estou sempre versando sobre o filme de ontem ou sobre o debate findo. Agarrei o último vagão do tempo e tento seguir pendurado. Abração Allan.

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  5. Anonymous2:19 PM

    Concorda com a Nora! Os textos tornam-se longos somente quando são chatos. Sempre venho aqui dar uma lida nas suas cartas e sempre adoro.
    Um abraço!

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  6. Allan,
    Concordo em genero e numero. E realmente absurdo e, muitas vezes ate o telespectador fica meio embaracado com aquelas interrupcoes dos jornalistas e entrevistadores. Bom, isso nao acontece so na tv italiana, deve ser em todas, nos USA 'e muito comum.
    Abracos
    Leila

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  7. Anonymous3:50 AM

    Oi Allan,

    Primeira vez que consigo comentar no seu blog. Sempre dá algum problema. Adorei a resposta pro funcionário. Engraçado como alguém as vezes pede uma dica ou conselho mas quando não escuta o que quer fica irritado. Quanto ao tamanho das cartas... não conheço ninguém que goste de ler uma carta curta... ;) Beijos e apareça!
    Renata

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