Tuesday, February 08, 2005

Domingo

Caros e Caras,
Paz e saúde!

John Kenedy dizia que para agradar a muita gente basta ser muito superficial. O leque das preferências pessoais se alarga ou se estreita de acordo com o grau da resistência a mudanças de cada um. Muitas vezes perde-se muito pelo simples fato de recusar-se a provar algo novo. Mas, o que os olhos não vêem…

Como todo carioca, feijoada pra mim deve ter rabo, orelha e pé de porco. E feijão preto! A feijoada baiana é feita com feijão fradinho e tem carne de vaca no meio. Já aquela sergipana tem de tudo: quiabo, abóbora… Podiam ao menos mudar o nome do prato, por respeito ou compaixão. Bem que eu tentei, mas não consegui gostar das modificações. Isso, apesar do feijão gordo da Toca do Sapo, em Lauro de Freitas (BA), que é servido nas manhãs de sábado. Tem lugar de honra na minha memória gastronômica e até medalha, pela cerveja estupidamente gelada que o acompanha, às sete da manhã.

É a tal resistência às mudanças que gera as tradições, às vezes para lembrar, outras para não deixar esquecer. No mundo inteiro, as famílias se encontram em pequenas reuniões informais (ou não, como diria o ministro Gil). Esses encontros costumam ocorrer nos dias de repouso, quando se aproveita para estreitar os laços entre parentes. Na Itália não é diferente. As famílias se reúnem aos domingos para o que podemos chamar de “pequena maratona gastronômica”.

Os mais antigos se lamentam do pouco tempo que os mais jovens têm dedicado à família, preferindo a companhia dos amigos e as intermináveis conversas ao celular. Dizem que o advento da televisão exterminou o hábito das conversas, que serviam para informar e formar os filhos. O dominical jogo da tômbola (bingo familiar) já não tem mais espaço nem graça e os jovens aprenderam a responder aos pais e idosos de forma pouco respeitosa.

Os mais jovens alegam que domingo é dia de recuperar as energias, até porque, vem logo após a noite de sábado. Entendem as conversas dos velhos como notas dissonantes na realidade virtual em que vivem e preferem os play station e game boys à tômbola. Encontraram um modo de se expressar que lhes permite maior auto-confiança e auto-afirmação e não pretendem abrir mão daquilo que consideram a conquista do próprio espaço.

…É! O choque entre gerações vem provocando estragos. Ou, como disse Rubem Braga: “Antigamente as coisa eram piores. Aí elas foram piorando, piorando...” Na Itália a expressão é: “As coisas eram melhores quando eram piores.”

Voltando ao tema do domingo, o que me agrada mesmo é a mania que eles têm de fazer um almoço lento, de horas. Nos outros dias funciona assim: uma entrada, que pode ser queijo (Grana Padano); primeiro prato, em geral uma massa ou risoto; segundo prato de carne com algum contorno (legumes) ou um prato com salames, copas e presuntos; sobremesa e... Grana Padano! No domingo a coisa muda. Toda tia, filha, sogra ou cunhada prepara um primeiro e um segundo prato, além da sobremesa. Cada uma capricha na própria especialidade. E você, nobre convidado, deve provar um pouco de tudo para não desagradar ninguém. Aconselho não aceitar mais de um convite por mês. O estômago pode até resistir, mas o fígado não. A ala masculina se preocupa em providenciar os mais raros e diferentes vinhos. E você, nobre convidado...

Domingo é dia de missa, futebol e ressaca. Mas é, também, dia de passear na beira do rio, tomar sorvete napolitano e provar sabores diferentes. As roupas são preparadas cuidadosamente no sábado, para perderem o cheiro de armário. Tudo precisa ser meticulosamente planejado, para que não se perca a menor oportunidade de gozar a folga. Os parques de diversão funcionam em ritmo de Carnaval na Bahia: frenéticos, elétricos e sonorizados. Museus, restaurantes, cinemas e todos os pontos turísticos, das cidades turísticas ou não (ops! Tá parecendo implicância com o pobre do Gil) trabalham com horário e pessoal extras. Domingo é o dia das festas das cidades e vilarejos, que, geralmente, se resumem a uma feira monstruosa com todo tipo de mercadoria, de malhas peruanas a trator, além de muita comida e vinho.

Já havia escrito que não basta aprender a língua para integrar-se ao novo país. É preciso entender, conhecer e aceitar a cultura local. Pois somente vivendo como romano você poderá ser aceito pelos romanos e entender realmente toda a riqueza de um povo. Talvez por isso sempre fui visto com certa desconfiança pelos baianos, pois fazia questão de ser carioca ou paulista, como se isso me fizesse superior. Na realidade, me identifico mais com o povo baiano que com qualquer outro, mas sempre gostei de pirraçar, provocar. E sempre critiquei a feijoada baiana.

Aliás, agora que me recordo, John Kenedy era extremamente popular entre os americanos. Fazia questão de esconder sua frágil saúde para mostrar-se como ícone de uma nação e tinha uma (quase) unanimidade de aprovação em todos os seus atos. Agradava muita, muita gente.

Ciao.

9 comments:

Flávia C. said...

Que gostosas essas reuniões de família! Apesar de eu não ser de origem italiana, sempre fazemos aqui em casa um almoço de domingo especial.
Sobre as novas gerações, isso é verdade, tenho um irmão pequeno e eles preferem mil vezes o videogame ao ficar conversando ou fazendo um programa familiar. Isso está cada vez pior, é uma pena.
Beijos!

Claudio Costa said...

Gostei da frase do Rubem: "antes as coisas eram piores..."
"Tudo passa sobre a terra", escreveu Alexandre Manzoni - é isso? - e os costumes vão mudando, geralmente devagar... mas basta viver um pouquinho e somos arrastados - "ou não" - pelo tempo. O tempora, O mores!

Tex Murphy said...

Outro dia eu li ou ouvi em algum lugar de que por todas as gerações, a conversa de que "antigamente é que era bom" sempre se repete, sugerindo que na verdade as pessoas é que não são muito propensas a aceitar as mudanças e não que as coisas da atualidade são piores que as de antigamente. Porém, depois dessa frase do Rubem Braga eu acho que esse comentário anterior foi completamente destruído...

Quanto ao "ou não" do Gil, existe um texto do Fernando Sabino com o mesmo título, falando sobre o uso da expressão e de como ela o contaminou. O texto faz parte de uma coletânea de textos publicadas no livro "A volta por cima", se você quiser ler é só procurar o livro. Ou não. Hehehe...

Abraço!

Mineiras, Uai! said...

Olá, Allan!
Interessante este "bingo familiar"... Aqui em MG, muitas famílias têm esta tradição de se reunir p/ o almoço de domingo... A fartura de comes e bebes é grande, mas creio que nada se compara às reuniões italianas... Creio que para os filhos se adaptarem às tradições deve haver, sim, uma ordem dos pais. Deixando-os muito soltos, com liberdade de escolha, obviamente que os pequenos preferirão a internet ou o game às conversas de tios e avós. Ouvir casos e conversar é também uma arte, deve-se saber fazê-lo com as mais diferentes pessoas, das mais diferentes idades... e é aí que entra a educação dada pelos pais a seus filhos! Eu acho muito importante ensiná-los a conviver com a família, com os idosos, e respeitá-los.
Os tempos atuais dificultam as coisas, mas é preciso empenho, certo?
Abração,
Ana Letícia
http://mineirasuai.blogspot.com

Anonymous said...

Allan,
Esse sistema de comentários do Blogger já era complicado (mas entendo que evita spam), mas parece que eles conseguiram complicar mais.
Domingo é dia de ressaca, futebol e amor. Evito trabalhar aos domingos. Prefiro relaxar e estar com a família e com os amigos.
Abração,
Lenine

Leo Costa said...

Cara tô correndo e nem tive tempo de ler o seu post, mas agradeço a sua visita ao meu, e voltarei aqui com mais calma sim.

Nora Borges said...

Feijoadas à parte, que adoro a de feijão preto, sem preocupação com sua nomenclatura, quero mesmo é elogiar você, que sem ser Kennedy nem nada agrada a uma multidão de leitores com seus textos bem escritos e temas tão variados.
Allan, eu entendo o que diz quanto à adaptação. Sem perder marcas e cicatrizes, a gente ganha novas. E isso transforma a gente em cidadão multicultural.
Não deixo minha pernambucanidade se perder, mas adoro entender e viver as espanholadas.
Beijo grande

Leila Silva said...

Allan,

Eu adoro o feijao preto mas prefiro uma feijoada assim bem leve, quanto menos carne, melhor e confesso que nao tenho muito estomado para essas partes: rabo, orelhas...outras que vc cita com quiabo e etc, nunca ouvi falar. Quem sabe? Um dia vou experimentar.
Tentei deixar comentario la na carta 'Flavia' mas alguma coisa saiu errada. Como disse a Denise, essa carta deu-nos a oportunidade de conhecer melhor a sua familia e o seu meio ai na Italia....como sempre, com muita sensibilidade.
Abracos
Leila

Biajoni said...

delícia de post, allan!
...
meu tio morou na itália e conta uma coisa interessante: as pessoas tem vergonha de dividir prato no restaurante. pedem uma pizza pra cada, um macarrão para cada. acho bem estranho isso, mostra um certo egoismo, penso.
...
sou do interior de sp, tenho uma filha carioca e meus pais são mineiros. esse lance de comida e bem estranho e legal, como muda de lugar para lugar... o mais estranho que acho é os cariocas comerem feijoada com angu (polenta). em são paulo come-se polenta somente com molho (sugo ou bolonhesa). em minas eles fazem a polenta bem dura para fritar - e comem com quase tudo, como queijo.
:>)