Sunday, June 16, 2019

Cavalos suados


O sol filtra pelas frestas entre as tábuas e pela porta entreaberta. A poeira move-se num lento e desordenado movimento dentro dos fachos de luz. Sombras pelos cantos, silêncio no ar. Metade da manhã já se foi, como tudo, de resto. O calor não chega a incomodar, só as lembranças.

Aproximando o nariz, as pranchas que formam as paredes cheiram a madeira velha. Madeira de muitos anos, de uma árvore que morreu e deixou o melhor de si como abrigo. Foi sendo consumida pelo tempo até perder todas as farpas e arestas para, apesar da rigidez, tornar-se macia ao tato, rachaduras arredondadas.

O chão de terra batida, tantas vezes pisado, parece cimento. Nenhum sinal de cascos ou botinas. Nenhum sinal. Só a rigidez desse chão que cedo ou tarde tudo cobre. A superfície que nunca esteve em outro lugar senão aqui e que, ao mesmo tempo, nos liga uns aos outros. Acima e abaixo dela. Um jovem passa correndo lá fora. Não, não é real. É só uma dor que paralisa a respiração e cria mais uma sombra nesse dia ensolarado.

Tudo cheira a esterco e, talvez até por isso, é agradável. Depois de hoje, não será mais possível apreciar novamente esse cheiro, tenho certeza. Como o perfume agradável que se mostra insuportável após o primeiro minuto. Madeira, esterco, suor de cavalo, palha seca e feno. Movendo-se os cheiros se alternam, ora mais nítidos, ora só a memória.

Fardos desfeitos de palha seca, espalhados para impedir a umidade e dar aconchego aos bichos. É uma palha dura que espeta e acolhe ao mesmo tempo. É possível passar uma tarde largado sobre ela, partindo os talos secos com os dedos, se questionando sobre dores e perdas, torcendo para que o coração pare de repente. Quem sabe se a palha protege e conforta? É provável que exista um momento em que não se precise mais de conforto nem consolo, a palha se torna inútil e desapareça pelos ventos, absorvida pelo solo, destino do mundo, destino das ideais que levam jovens para longe das palhas e dos estercos que não os trazem de volta.

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1 comment:



  1. Estou rindo, lembrando de coisas passadas. Uma vez brincamos feito crianças num sítio, os rapazes pareciam meninos. Entao tinhamos que correr para nos arrumar. Tinha seresta na pequena cidade perto e era adoravel como até hoje. Um deles... não dava para chegar muito perto. Trocou a roupa mas não tomou banho (poucos banheiros para muitos e hora apertada). Ele cheirava a curral. Tinha caído no feno e tem cheiro e este passou a ser o perfume que impedia de chegarmos muito perto. hahahahahhah

    bjs

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