Sunday, September 18, 2011

É o que dizem

Lembro do angu que a dona Petronilha nos preparava, em Petrópolis. Meados dos anos sessenta, nossos pais viajaram e a velha senhora cozinhava angu ao meio-dia e à noite. Depois de uns diasdois? Quinhentos? – ninguém aguentava mais o cardápio monocromático. Implorávamos para que eles voltassem antes da próxima refeição. Passei a adolescência sem suportar o cheiro de fubá: bolos, doces, angu ou polenta possuíam a cor de uma lembrança que preferia não ter. Cresci, mudei e voltei a gostar. Acho que foi com o Angu do Gomes, nas noites cariocas. O melhor do mundo, digo eu.

Setembro é o mês da “Festa dell’Asino” na cidade vizinha de Pontenure. Ensopada, a carne de asno vai muito bem com polenta e vinho tinto. Deve cozinhar lentamente com muito tempero: vinho tinto, cebola, cravo-da-índia, cenoura, salsão, noz-moscada, sal e azeite extra virgem de oliva. Intercalando camadas de carne em pedaços com os demais ingredientes, deixa-se marinar por 24 horas na geladeira. Depois, forno por umas quatro horas e polenta feita na hora. A festa surgiu no dia 31 de Agosto de 1901, quando, para fazer renascer uma antiga festa da cidade, alguém teve a ideia de fazer um asno com asas descer da torre dos sinos na praça da cidade. A notícia teve o efeito esperado e um pobre asnosob protestos – foi baixado da torre com um gancho escorregando por uma corda até o outro lado da praça, para divertimento da multidão. O autor teria sido o poeta Valente Faustini e o ensopado de asno com polenta que virou tradição é uma iguaria como poucas. É o que dizem.

Outra especialidade local, herdada dos invasores franceses assim como o dialeto piacentino, é o consumo de carne de cavalo. A “picula ad caval” (ou picula di cavallo) é uma tradição culinária piacentina. 600g de carne de cavalo picada-quase-moída, 100 g de cebola batidinha, 250 ml de vinho branco seco, 300 g de tomates sem pele, 250 de pimentão, 40 g de banha de porco, um punhado de ervas aromáticas (alecrim, sálvia, salsinha, manjericão), um dente de alho, sal pimenta do reino. Refogando a cebola e a carne na banha até dourar, basta adicionar os demais ingredientes e cozinhar em fogo médio por uma hora. Polenta e vinho tinto. Fica-se em dúvida entre o ensopado de asno e a carne de cavalo, de tão bons que são os pratos. É o que dizem.

Depois de um Verão sufocante, nada como uns dias de chuva, que é tudo o que esperam os gulosos piacentinos. Passada a chuva todos saem para coletar funghi (plural de fungo). Varandas, quintais e até os tetos dos carros servem de secador para os funghi colhidos e cortados em tirinhas, espalhados sobre uma grelha. Uma vez secos são colocados em vidros para serem usados até a próxima colheita. E há quem congele funghi inteiros para ralar sobre o risotto, como se fosse queijo ralado. Qualquer um pode colher funghi, basta tirar a licença e saber reconhecer os comestíveis. o tartufo, uma trufa muito apreciada, pode ser localizado por cães especialmente treinados. Se funghi é um daqueles produtos que fazem os italianos virarem os olhos, o tartufo é uma especialidade muitas vezes superior. É o que dizem.

Desde os tempos da dona Petronilha aprendi a respeitar meus limites. Tudo que é demais, enjoa. O tempo passa, os gostos mudam e novas descobertas nos enriquecem. Mesmo assim, é preciso aceitar que passaremos por este mundo sem conhecer tudo. Até a polenta eu cheguei. E não acredito que irei além.
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17 comments:

myra said...

polenta eu gosto, funghi nao e o tratuffo detesto, mas voce é formidavel para nos dar receitas...claro que eu que nao sei cozinhar..e nem gosto---nao posso aproveitar delas, mas gosto imensamente como es-des-creve!!!!
un abraçao

Thais Miguele said...

Olhe só, eu faço aniversário em 31 de agosto, que, pelo que sei agora, é o dia do asno voador. :S

BLOGZOOM said...

Allan, eu nunca curti o sabor de angu, mas um dia, a vizinha me chamou e disse que eu ia passar a gostar. Então eu mudei de opinião!

Carne de cavalo tambem se come na Alemanha, eu já provei e é boa. Felizmente só me contaram depois de come-la...

Eu não sei o motivo que sempre leio assuntos culinários antes do almoço, então... eu fico verde e rezando para o estomago não roncar! rsssss


Beijos

Dawidson said...

Voce já consegue comer polenta ?

Eu não posso nem ver na minha frente...já funghi e Tartufo descem bem !!

Menina no Sotão said...

Eu fui criada com poleta e mingau de amido. Amo polenta, mas odeio mingau de amido. Me dá vontade (deixa pra lá). rs
Mas não é toda polenta que eu gosto não porque por aqui tem um pessoal que não deixa cozinhar a polenta direito e fica aquela coisa mole, estranha, parecendo água suja. kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk


bacio

@deniserangel said...

Allan,
Eu aprecio muito polenta, bem temperadinha e de textura mais firme, como um purê macio.
Carne de asno ou cavalo, Jesus! Nem morta!
Interessante como o paladar da gente é exigente e, ao, mesmo tempo, adaptável a cheiros e sabores.

Ah, quando você descreve como se faz os pratos, dá para imaginar o cheiro, a aparência e o sabor. Esquisto, né?

abraço, garoto

maray said...

deve ser difícil comer bicho que a gente gosta...por isso só como galinha, que eu detesto. eita bicho chato! Já cavalos, asnos, cachorros, são amigos não comestíveis, acho eu ;)

Lili Detoni said...

Comer cavalo ou asno, sinceramente, não faz parte dos meus planos... mas, uma bela polenta italiana é tudo de bom! Aliás, já estou morrendo de saudades daquele cheiro bom das comidas da Toscana! Aqui está chegando a Primavera, e com ela, muita vontade de voltar à Itália!
Abraços do Brasil!!!! :)
Lili.

Inaie said...

Polenta me faz lembrar a minha infancia e a casa da minha avo. Ela fazia um panelaod e polenta que ficava cozinhando por horas a fio... ai ela colocava a minha polenta ainda quente direto no meu prato, fazendo um respingo na beiradinha. Era so o que eu comia. O meu proprio prato de polenta. O resto do panelao ficava pra ela, que ia comendo devagarinho, na hora do cafe. Polenta brostolada, ela dizia...

Obrigada por me trazer doces recordacoes da infancia e que triste que as suas recordacoes nao sejam tao boas.

Luma Rosa said...

Enjoei!! :( E descobri que não sei o que é asno, que pensava fosse um burro. Com asas? Tem uma fotinha deste bicho? (rs*)
Tudo que é demais não é bom! Gosto de polenta e em Minas fazemos com bastante alho, porém com farinha de milho que fica mais levinha - de farinha de milho também lembro dos "escaldados" que é uma sopa rala, onde se quebra um ovo no meio. A minha avó fazia um variante do caldo verde, ao invés de usar batatas, usava a farinha de milho e quando pronto o caldo, jogava couve picada bem fininha por cima. Nham!
A polenta frita também é uma delícia!
Essas memórias estimulou meu apetite! :)
Bom fim de semana! Beijus,

Anonymous said...

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Anonymous said...

"É o que dizem"
Pelo que entendi vc não provou. ;D

peri s.c. said...

Entre os asnos e os cavalos fico alegremente com a Famiglia Funghi .
Humm ... e claro, as polentas. Fritas, inclusive.
Existem fritas aí na Itália ou são invenção das famintas famílias italianas imigrantes que para cá vieram ?
Meu nonno sempre relembrava da polenta matinal ( melhor : madrugal ) cortada com barbante, para forrar o estômago antes de ir capinar a lavoura de café .

Luciana Nepomuceno said...

(deixei respostinha ao seu comentário)

ando ausente dos comentários aqui, mas leio sempre. É que o gato comeu minha língua (ou dedos).

Bj ;-)

http://saia-justa-georgia.blogspot.com/ said...

Allan, Angu do Gomes, hahahahhha. Muito famoso no Rio.

Eu gosto muito de angu, mas desde que estou aqui faco pouquissimo, é que a turminha por aqui nao é chegada. Com asno ou carne de cavalo? Nunca experimentei. Aliás o angu por aqui vai mesmo é com molho de tomate feito com carne moida e de vaca, nada de asno ou cavalo. Ou seria de boi? rs

Abracos

Anderson Fabiano said...

Bom dia, parceirinho!

Daqui a pouco estarei rumando para a cozinha onde um penne com molho de camarão me espera: presente para minha convalescente Helena.

Sabe Allan, nesses meus tempos de "neuer" blumenauense tenho buscado, aos poucos, disfarçar esse carioca "invertebrado" (rsss) que sou. Mas, quando ouço alguém falar em Angú do Gomes fica impossível deixar de rever as memórias das madrugadas tantas em que, na velha Praça XV, após uma noitada em ensaios da minha querida Mangueira, era o angú que me trazia de volta a realidade.

Agora, casado com uma oriundi, transformaram meu "velho" angú em polenta... vai saber...

Mas, com qualquer nome, sem exageros é claro, adoro essa iguaria. Mas, essa parte do asno e do cavalo confesso que pulo, companheiro.

Meu carinho,

Anderson Fabiano

PS: Ainda sobre seu generoso coment deixado lá no meu "Crônicas", no texto sobre a medalha de Ronaldinho: Dá dó, não dá parceirinho?

Por essas e por outras é tão difícil viver da Cultura nesse nosso Brasil.

Abraçõa e bom domingo!
AF.

http://saia-justa-georgia.blogspot.com/ said...

Toc, toc, toc!


Como está tudo por ai?


Abracos